DEU EM O ESTADO DE S. PAULO
Em 1982, Lula, candidato ao governo do Estado em disputa com Franco Montoro, tinha como propaganda o slogan "vote em um homem como você". Perdeu a eleição. Nas seguintes disputas, para a Presidência da República (uma contra Collor e duas contra Fernando Henrique), apresentou-se como alguém oriundo da classe trabalhadora, suado, de roupa esporte, sem cuidado maior com a aparência. Perdeu as eleições. No pleito consagrador de 2002 foi diferente. Não se mostrou como "um homem igual a você", caro eleitor, mas, obedientemente, foi submetido a repaginamento por um personal stylist, por obra do seu marqueteiro, e vestido de executivo, com ternos e gravatas impecáveis, personagem acima do homem comum, digno de ser votado para presidente.
O seu inegável carisma teve de ser repaginado de modo a que a imagem gerasse o reconhecimento de que poderia vir a ser o supremo magistrado da Nação, um homem que não era comum. Conforme correu o exercício da Presidência, porém, Lula sentiu-se cada vez mais livre para se desvestir da roupagem de executivo, para voltar a ser ele próprio o comunicador da Presidência, sem porta-voz, porque ninguém como ele sabe falar com o povo, com a maioria dos brasileiros. A cada ano Lula foi se sentindo mais seguro para usar expressões chulas, reincidir nos erros gramaticais, dizer impropriedades a mancheias, a ponto de se transformar em costume falar o que bem entende. É o pitoresco, o exótico, admitido e concedido a quem tem imensa popularidade.
Esse quadro de alta popularidade permite, agora, ao presidente ser não apenas um "homem como você", brasileiro das classes C e D, mas romper com todas as liturgias do cargo, sendo cada vez mais seduzido a mostrar que um homem comum pode "chegar lá".
Assim, o presidente permite-se todas as liberdades. O Lula é capaz de dizer, por exemplo, que o mensalão - cuja denúncia foi bem lastreada e recebida em larga decisão fundamentada pelo Supremo Tribunal Federal - não passou de uma tentativa de golpe de Estado, com a infiltração de agentes da oposição nas hostes petistas para comprometer os ingênuos companheiros em tramoias arquitetadas para derrubá-lo. Antes dissera que de nada sabia, depois que errar é humano e os amigos deveriam ser perdoados. Agora vem a tese conspiratória, a demonstrar ter-se liberado absolutamente para proclamar o que sua ampla imaginação criadora lhe inspira, sem censura alguma.
Em outro exemplo, pode-se mesmo dizer que o presidente emite ideias sem pudor, como na explicação dada à formação de alianças com as forças menos respeitáveis da nossa vida política. Em entrevista, Lula disse: "Quem vier para cá não montará governo fora da realidade política. Se Jesus Cristo viesse para cá, e Judas tivesse a votação num partido qualquer, Jesus teria de chamar Judas para fazer coalizão."
Assim, sua declaração, de duas décadas, de ser o Congresso formado por 300 picaretas, a traduzir um juízo com rigor moral, amainou e transformou os picaretas de ontem, a serem expungidos, nos Judas de hoje, a serem chamados para fazer coalizão.
Mesmo ainda preso a ressentimentos - pois justifica qualquer crítica como "inveja dos poderosos por verem um trabalhador na Presidência" -, Lula agora sente a mais plena liberdade em razão da popularidade alcançada, a ponto de desfazer da verdade, inventando conspirações alucinadas, ou de defender a desnecessidade de moralidade na vida pública, ao instituir a regra da acomodação ao espírito rasteiro prevalecente de colocar o interesse pessoal de poder acima do interesse público, mediante acordos espúrios com políticos sequiosos de poder para fins egoísticos: os Judas, hoje discípulos, mas amanhã traidores.
Assim, misturam-se forças negativas e positivas no mesmo saco, tornando a política inodora e insossa, sem diferenças, a fazer-se o diferente igual.
Basta verificar a base aliada, composta por muitos próceres políticos que ontem eram oposição ao PT, ministros do governo de Fernando Henrique, que "nada fez em comparação com o atual", segundo mantra repetido à exaustão, para constatar a prevalência do adesismo. A consequência é o desfazimento da vida democrática, formada pela contraposição de visões, graças à mitificação de um líder que dissolve valores morais e desconsidera fatos evidentes, para a doce imposição de uma unanimidade de interesse.
Qual será o futuro da Nação neste panorama?
Lula crê, como acreditava Ademar de Barros, outro falastrão, poder eleger um poste, mesmo num país com apagão. Mas terá surpresas numa base aliada composta por vários Judas, cujo interesse é se eleger deputado ou senador, pouco importando estar diretamente no poder central, pois sempre irá negociar com esse poder, na obtenção de vantagens. A reforma política começa pelo exemplo de exigência de firmeza de posições, por isso a legitimação da coalizão com Judas é desastrosa para o futuro de nosso país. Embora a mudança do sistema eleitoral e dos partidos possa até ajudar, o principal está no exemplo a vir de cima.
Manter o PT no poder interessa aos milhares de companheiros colocados nos inúmeros cargos em comissão, criados como "nunca antes neste país", mas não é, a meu ver, uma questão de vida ou morte para Lula.
Qual o futuro de Lula?
Com a repercussão internacional, muito em vista de sua pessoa carismática, com o charme de ser, aos olhos do Primeiro Mundo, o primeiro operário na Presidência, Lula aspira a posições no concerto internacional. Não interessaria mais o que se dá na nossa terrinha.
Importa promover seu reconhecimento internacional, aspirando à posição de secretário-geral da ONU ou ao Prêmio Nobel da Paz. Se assim for, Lula não deixará de conceder a extradição de Battisti para a Itália, a fim de não criar arestas com a comunidade europeia.
Será Lula lá fora.
Miguel Reale Júnior, advogado, professor titular da Faculdade de Direito da USP, membro da Academia Paulista de Letras, foi ministro da Justiça
Em 1982, Lula, candidato ao governo do Estado em disputa com Franco Montoro, tinha como propaganda o slogan "vote em um homem como você". Perdeu a eleição. Nas seguintes disputas, para a Presidência da República (uma contra Collor e duas contra Fernando Henrique), apresentou-se como alguém oriundo da classe trabalhadora, suado, de roupa esporte, sem cuidado maior com a aparência. Perdeu as eleições. No pleito consagrador de 2002 foi diferente. Não se mostrou como "um homem igual a você", caro eleitor, mas, obedientemente, foi submetido a repaginamento por um personal stylist, por obra do seu marqueteiro, e vestido de executivo, com ternos e gravatas impecáveis, personagem acima do homem comum, digno de ser votado para presidente.
O seu inegável carisma teve de ser repaginado de modo a que a imagem gerasse o reconhecimento de que poderia vir a ser o supremo magistrado da Nação, um homem que não era comum. Conforme correu o exercício da Presidência, porém, Lula sentiu-se cada vez mais livre para se desvestir da roupagem de executivo, para voltar a ser ele próprio o comunicador da Presidência, sem porta-voz, porque ninguém como ele sabe falar com o povo, com a maioria dos brasileiros. A cada ano Lula foi se sentindo mais seguro para usar expressões chulas, reincidir nos erros gramaticais, dizer impropriedades a mancheias, a ponto de se transformar em costume falar o que bem entende. É o pitoresco, o exótico, admitido e concedido a quem tem imensa popularidade.
Esse quadro de alta popularidade permite, agora, ao presidente ser não apenas um "homem como você", brasileiro das classes C e D, mas romper com todas as liturgias do cargo, sendo cada vez mais seduzido a mostrar que um homem comum pode "chegar lá".
Assim, o presidente permite-se todas as liberdades. O Lula é capaz de dizer, por exemplo, que o mensalão - cuja denúncia foi bem lastreada e recebida em larga decisão fundamentada pelo Supremo Tribunal Federal - não passou de uma tentativa de golpe de Estado, com a infiltração de agentes da oposição nas hostes petistas para comprometer os ingênuos companheiros em tramoias arquitetadas para derrubá-lo. Antes dissera que de nada sabia, depois que errar é humano e os amigos deveriam ser perdoados. Agora vem a tese conspiratória, a demonstrar ter-se liberado absolutamente para proclamar o que sua ampla imaginação criadora lhe inspira, sem censura alguma.
Em outro exemplo, pode-se mesmo dizer que o presidente emite ideias sem pudor, como na explicação dada à formação de alianças com as forças menos respeitáveis da nossa vida política. Em entrevista, Lula disse: "Quem vier para cá não montará governo fora da realidade política. Se Jesus Cristo viesse para cá, e Judas tivesse a votação num partido qualquer, Jesus teria de chamar Judas para fazer coalizão."
Assim, sua declaração, de duas décadas, de ser o Congresso formado por 300 picaretas, a traduzir um juízo com rigor moral, amainou e transformou os picaretas de ontem, a serem expungidos, nos Judas de hoje, a serem chamados para fazer coalizão.
Mesmo ainda preso a ressentimentos - pois justifica qualquer crítica como "inveja dos poderosos por verem um trabalhador na Presidência" -, Lula agora sente a mais plena liberdade em razão da popularidade alcançada, a ponto de desfazer da verdade, inventando conspirações alucinadas, ou de defender a desnecessidade de moralidade na vida pública, ao instituir a regra da acomodação ao espírito rasteiro prevalecente de colocar o interesse pessoal de poder acima do interesse público, mediante acordos espúrios com políticos sequiosos de poder para fins egoísticos: os Judas, hoje discípulos, mas amanhã traidores.
Assim, misturam-se forças negativas e positivas no mesmo saco, tornando a política inodora e insossa, sem diferenças, a fazer-se o diferente igual.
Basta verificar a base aliada, composta por muitos próceres políticos que ontem eram oposição ao PT, ministros do governo de Fernando Henrique, que "nada fez em comparação com o atual", segundo mantra repetido à exaustão, para constatar a prevalência do adesismo. A consequência é o desfazimento da vida democrática, formada pela contraposição de visões, graças à mitificação de um líder que dissolve valores morais e desconsidera fatos evidentes, para a doce imposição de uma unanimidade de interesse.
Qual será o futuro da Nação neste panorama?
Lula crê, como acreditava Ademar de Barros, outro falastrão, poder eleger um poste, mesmo num país com apagão. Mas terá surpresas numa base aliada composta por vários Judas, cujo interesse é se eleger deputado ou senador, pouco importando estar diretamente no poder central, pois sempre irá negociar com esse poder, na obtenção de vantagens. A reforma política começa pelo exemplo de exigência de firmeza de posições, por isso a legitimação da coalizão com Judas é desastrosa para o futuro de nosso país. Embora a mudança do sistema eleitoral e dos partidos possa até ajudar, o principal está no exemplo a vir de cima.
Manter o PT no poder interessa aos milhares de companheiros colocados nos inúmeros cargos em comissão, criados como "nunca antes neste país", mas não é, a meu ver, uma questão de vida ou morte para Lula.
Qual o futuro de Lula?
Com a repercussão internacional, muito em vista de sua pessoa carismática, com o charme de ser, aos olhos do Primeiro Mundo, o primeiro operário na Presidência, Lula aspira a posições no concerto internacional. Não interessaria mais o que se dá na nossa terrinha.
Importa promover seu reconhecimento internacional, aspirando à posição de secretário-geral da ONU ou ao Prêmio Nobel da Paz. Se assim for, Lula não deixará de conceder a extradição de Battisti para a Itália, a fim de não criar arestas com a comunidade europeia.
Será Lula lá fora.
Miguel Reale Júnior, advogado, professor titular da Faculdade de Direito da USP, membro da Academia Paulista de Letras, foi ministro da Justiça
Um comentário:
Eis aí que MRJ coloca: "... Lula não deixará de conceder a extradição..."
O Lula se tornou óbvio demais a partir de quando assinou a Carta Aos Brasileiros/jun/2002; em 2005 ficou óbvio ao quadrado com o mensalão; em 2007 virou óbvio ao cubo com Dilma/2010; ficou óbvio na potência "n" quando salvou Sarney no Senado; virou óbvio ao infinito com seu apoio a Zelaya e ao Irã.
O agir e externar "óbvio" - evidente por si - atrapalha e interdita a razão humana (lógica, pragmatismo, senso comum, ciências).
O Lula ao falar "mundo não é quadrado" e "EUA e Rússia devem abandonar armas nucleares" indica que está mergulhado (a se afogar) em obviedades.
É tanta a carga de obviedades que Lula ruma para um fracasso pessoal inimaginável; os desfechos pertinentes ao Lula serão bastante desfavoráveis.
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