DEU EM O ESTADO DE S. PAULO
O mapa eleitoral resultante das eleições de outubro mostra um País politicamente plural, onde as oposições encontram apoio não apenas para exercer o seu papel agora, mas também para aspirar a ser governo, no nível federal, amanhã. Nada que indique a "mexicanização" da cena política brasileira, alusão ao domínio de um só partido, como aconteceu no México por sete décadas, sob o comando do PRI.
Se as "condições objetivas" estão dadas, é preciso, por assim dizer, criar as "condições subjetivas". E para tanto importa repensar (e mudar) a maneira como as oposições fizeram política nos últimos oito anos.
Com oito governadores eleitos, dois deles nos principais Estados da Federação, o PSDB reafirmou-se como o polo de poder alternativo no País, apesar da redução de sua bancada no Congresso, ainda assim expressiva.
Na geografia política brasileira, quando analisada, município a município, conforme a votação de Serra e Dilma, identifica-se um "território tucano" contínuo desde o leste do Rio Grande ao sul do Pará, numa "mancha azul" que coincide, no geral, com as áreas de maior dinamismo econômico. Há também "ilhas azuis" em Roraima e no Acre, por razões políticas locais. A rigor, somente o Nordeste se mostrou terreno inexpugnável, com exceção de algumas poucas capitais.
Um rápido exame do perfil sociológico desse território e desse eleitorado provavelmente revelará uma população heterogênea, mas no geral conectada às atividades mais ligadas ao setor privado e menos dependentes do Estado. No plano das mentalidades, indicará uma preocupação maior que a média com a impessoalidade no trato da coisa pública e com a separação entre o Estado e as organizações partidárias e corporativas. A propósito, foi antes o "affair Erenice" do que a vexatória controvérsia em torno do aborto o fator que quase fez a "mancha azul" se espalhar ainda mais, pondo em risco a vitória da candidata oficial.
Além de políticas públicas - e isso caberá a seus governadores -, o PSDB precisa construir uma narrativa que, voltada principalmente para esse eleitorado, possa servir de inspiração ao conjunto do País, mesmo aos que hoje, por insuficiência de renda, são dependentes de programas assistenciais. A mobilidade social ascendente observada nos últimos anos criou novas expectativas num amplo contingente da população. Trata-se de um eleitorado exigente, que não tem dono e cobrará políticas públicas inovadoras que possam ajudá-lo a realizar as próprias expectativas. Narrativa e políticas precisam andar de mãos dadas.
Nas três últimas disputas pela Presidência, os candidatos do PSDB renegaram o passado do partido e dispensaram-se de construir uma narrativa que configurasse um "eu coletivo". Preferiram campanhas calcadas em seus atributos pessoais e na noção de "eficiência", refletindo e ao mesmo tempo aprofundado a crise de identidade do partido.
Nada contra a eficiência, ela é indispensável, mas politicamente de pouco vale se não for articulada com valores e com uma visão que, referindo-se à organização da sociedade e do governo, diga respeito à vida das pessoas, e se distinga dos demais valores e visões em disputa.
Nem de longe defendo a ideia de que a configuração desse "eu coletivo" se dê conforme a lógica do "nós" contra "eles", da confrontação "amigo-inimigo", como o presidente Lula tantas vezes insistiu em fazer. Não há, porém, como fazer política sem afirmar uma identidade e marcar a diferença. E o PSDB não soube fazê-lo nos últimos oito anos.
Desnecessário insistir na importância de retomar os fios da história, que tem nos governos de FHC a sua referência maior, mas não exclusiva. Importa fazê-lo pensando no futuro. Cabe defender as privatizações - no setor de telecomunicações, por exemplo -, para mostrar que sem elas o Brasil continuaria a ser "o país dos orelhões" e a grande maioria da população permaneceria sem acesso a serviços de telefonia e internet, que hoje são condição para educar-se, empregar-se, empreender e desenvolver-se individual e coletivamente.
Nosso maior desafio como país é aproveitar a janela de oportunidade demográfica dos próximos 20 anos - quando maior será a população em idade ativa em relação a crianças e idosos - para consolidarmos as bases de uma sociedade mais justa e mais próspera. Para isso não basta continuar a fazer o que fizemos nos últimos 16 anos. É preciso fazer mais e melhor. Até porque, no mundo, enfrentaremos competição crescente, sobretudo em manufaturas, e não só da China. E normas cada vez mais rígidas - ambientais, sanitárias, etc. - na produção de commodities.
Em 2030 teremos de empregar 150 milhões de pessoas. Conseguiremos criar, em quantidade e qualidade, os empregos necessários para absorver essa força de trabalho e gerar maior renda para melhor distribuí-la, com o arranjo de políticas cristalizado no governo Lula, respaldado por um protagonismo cada vez maior do Estado? Ou mudanças serão indispensáveis, para conter a tendência expansionista do gasto público e da intervenção discricionária do governo na economia, em favor de poucos grandes grupos e, por vezes, de um crescimento a qualquer custo, sem maior preocupação com a sustentabilidade socioambiental?
Não sou um "idiota da objetividade", como disse Nelson Rodrigues a respeito de quem acredita que a descrição correta da realidade exige o banimento da subjetividade e das emoções. Sei que a forma importa tanto quanto o conteúdo. E reconheço que, numa sociedade em que a comunicação passa fundamentalmente pela mídia eletrônica, a política requer quem conheça especificamente essa linguagem. Mas a forma sem conteúdo é vazia. Um partido sem identidade própria e visão diferenciada para o futuro do País é apenas uma legenda, abrigo de ambições pessoais.
O eleitor deu um recado claro, que as lideranças precisam escutar: quer que o PSDB seja mais, bem mais, do que tem sido.
Diretor Executivo do IFHC, é membro do GACINT-USP.
O mapa eleitoral resultante das eleições de outubro mostra um País politicamente plural, onde as oposições encontram apoio não apenas para exercer o seu papel agora, mas também para aspirar a ser governo, no nível federal, amanhã. Nada que indique a "mexicanização" da cena política brasileira, alusão ao domínio de um só partido, como aconteceu no México por sete décadas, sob o comando do PRI.
Se as "condições objetivas" estão dadas, é preciso, por assim dizer, criar as "condições subjetivas". E para tanto importa repensar (e mudar) a maneira como as oposições fizeram política nos últimos oito anos.
Com oito governadores eleitos, dois deles nos principais Estados da Federação, o PSDB reafirmou-se como o polo de poder alternativo no País, apesar da redução de sua bancada no Congresso, ainda assim expressiva.
Na geografia política brasileira, quando analisada, município a município, conforme a votação de Serra e Dilma, identifica-se um "território tucano" contínuo desde o leste do Rio Grande ao sul do Pará, numa "mancha azul" que coincide, no geral, com as áreas de maior dinamismo econômico. Há também "ilhas azuis" em Roraima e no Acre, por razões políticas locais. A rigor, somente o Nordeste se mostrou terreno inexpugnável, com exceção de algumas poucas capitais.
Um rápido exame do perfil sociológico desse território e desse eleitorado provavelmente revelará uma população heterogênea, mas no geral conectada às atividades mais ligadas ao setor privado e menos dependentes do Estado. No plano das mentalidades, indicará uma preocupação maior que a média com a impessoalidade no trato da coisa pública e com a separação entre o Estado e as organizações partidárias e corporativas. A propósito, foi antes o "affair Erenice" do que a vexatória controvérsia em torno do aborto o fator que quase fez a "mancha azul" se espalhar ainda mais, pondo em risco a vitória da candidata oficial.
Além de políticas públicas - e isso caberá a seus governadores -, o PSDB precisa construir uma narrativa que, voltada principalmente para esse eleitorado, possa servir de inspiração ao conjunto do País, mesmo aos que hoje, por insuficiência de renda, são dependentes de programas assistenciais. A mobilidade social ascendente observada nos últimos anos criou novas expectativas num amplo contingente da população. Trata-se de um eleitorado exigente, que não tem dono e cobrará políticas públicas inovadoras que possam ajudá-lo a realizar as próprias expectativas. Narrativa e políticas precisam andar de mãos dadas.
Nas três últimas disputas pela Presidência, os candidatos do PSDB renegaram o passado do partido e dispensaram-se de construir uma narrativa que configurasse um "eu coletivo". Preferiram campanhas calcadas em seus atributos pessoais e na noção de "eficiência", refletindo e ao mesmo tempo aprofundado a crise de identidade do partido.
Nada contra a eficiência, ela é indispensável, mas politicamente de pouco vale se não for articulada com valores e com uma visão que, referindo-se à organização da sociedade e do governo, diga respeito à vida das pessoas, e se distinga dos demais valores e visões em disputa.
Nem de longe defendo a ideia de que a configuração desse "eu coletivo" se dê conforme a lógica do "nós" contra "eles", da confrontação "amigo-inimigo", como o presidente Lula tantas vezes insistiu em fazer. Não há, porém, como fazer política sem afirmar uma identidade e marcar a diferença. E o PSDB não soube fazê-lo nos últimos oito anos.
Desnecessário insistir na importância de retomar os fios da história, que tem nos governos de FHC a sua referência maior, mas não exclusiva. Importa fazê-lo pensando no futuro. Cabe defender as privatizações - no setor de telecomunicações, por exemplo -, para mostrar que sem elas o Brasil continuaria a ser "o país dos orelhões" e a grande maioria da população permaneceria sem acesso a serviços de telefonia e internet, que hoje são condição para educar-se, empregar-se, empreender e desenvolver-se individual e coletivamente.
Nosso maior desafio como país é aproveitar a janela de oportunidade demográfica dos próximos 20 anos - quando maior será a população em idade ativa em relação a crianças e idosos - para consolidarmos as bases de uma sociedade mais justa e mais próspera. Para isso não basta continuar a fazer o que fizemos nos últimos 16 anos. É preciso fazer mais e melhor. Até porque, no mundo, enfrentaremos competição crescente, sobretudo em manufaturas, e não só da China. E normas cada vez mais rígidas - ambientais, sanitárias, etc. - na produção de commodities.
Em 2030 teremos de empregar 150 milhões de pessoas. Conseguiremos criar, em quantidade e qualidade, os empregos necessários para absorver essa força de trabalho e gerar maior renda para melhor distribuí-la, com o arranjo de políticas cristalizado no governo Lula, respaldado por um protagonismo cada vez maior do Estado? Ou mudanças serão indispensáveis, para conter a tendência expansionista do gasto público e da intervenção discricionária do governo na economia, em favor de poucos grandes grupos e, por vezes, de um crescimento a qualquer custo, sem maior preocupação com a sustentabilidade socioambiental?
Não sou um "idiota da objetividade", como disse Nelson Rodrigues a respeito de quem acredita que a descrição correta da realidade exige o banimento da subjetividade e das emoções. Sei que a forma importa tanto quanto o conteúdo. E reconheço que, numa sociedade em que a comunicação passa fundamentalmente pela mídia eletrônica, a política requer quem conheça especificamente essa linguagem. Mas a forma sem conteúdo é vazia. Um partido sem identidade própria e visão diferenciada para o futuro do País é apenas uma legenda, abrigo de ambições pessoais.
O eleitor deu um recado claro, que as lideranças precisam escutar: quer que o PSDB seja mais, bem mais, do que tem sido.
Diretor Executivo do IFHC, é membro do GACINT-USP.
Nenhum comentário:
Postar um comentário