A guerra judicial contra e a favor da construção da hidrelétrica de Belo Monte, no Pará, apenas começou, mas esse não é o problema mais sério que o governo está enfrentando na parada.
As incertezas são enormes e quase intransponíveis. Aparentemente, a única instituição que aposta em que a obra custará apenas R$ 19 bilhões é o governo federal e, ainda assim, a gente sabe como são essas coisas. Vale sempre um valor qualquer, somente para dar a partida e afastar objeções sobre a viabilidade financeira do projeto. Uma vez atingido o ponto de não-retorno, quando fica muito mais caro reverter tudo, serão revistos os procedimentos, os valores e os custos, obviamente para cima.
Desta vez, o governo está empurrando os fundos de pensão para que se comprometam com o financiamento do negócio. Mas eles têm lá seus compromissos com associados e pensionistas. Uma barbeiragem nos investimentos pode comprometer suas bases atuariais. Sabe-se lá até onde podem ir os fundos.
Se fosse para construir uma barragem convencional, Belo Monte teria de inundar perto de 2 mil quilômetros quadrados. Para contornar esse despropósito, a opção foi operar a usina a fio d"água. Em decorrência disso, a produção de energia será refém do regime de chuvas. No tempo da seca, a energia gerada ficará reduzida a cerca de 10% do seu potencial. Na média, Belo Monte utilizará apenas 4 mil MW dos 11,2 MW instalados.
Esse não é o único fator que pesa sobre a tarifa futura em MWh, avaliada em R$ 83 pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE). Não é nem um pouco desprezível o risco geológico. Em consequência da grande área a ser ocupada, os levantamentos preliminares das características das rochas sobre as quais se assentará a barragem não fornecem informações precisas das condições do subsolo. Isso poderá exigir enorme reforço em fundações.
Os planos de abertura de canais de mais de 30 quilômetros de extensão (mais longos do que os do Canal do Panamá), com remoção de cerca de 240 milhões de metros cúbicos de terra, produzirão, por si sós, desequilíbrios ambientais difíceis de prever e mais difíceis ainda de corrigir.
E não dá para reduzir a importância dos conflitos de interesse com as populações ribeirinhas (nada menos que 16 etnias indígenas e 6 mil famílias de brancos). O leilão está marcado para terça-feira, um dia depois do Dia do Índio. Será realizado se o governo conseguir vencer as batalhas judiciais que foram deflagradas.
O BNDES foi outra vez convocado para financiar, a juros de pai pra filho, de 4% ao ano, o equivalente a até 80% da obra. Algumas das empreiteiras que formam os consórcios potenciais preferiram ficar de fora, como o grupo Odebrecht, para aumentar a pressão sobre o governo com suas ausências e obter lá na frente novas concessões. E outras, como a Andrade Gutierrez, preferiram participar, apostando em que, como aconteceu outras vezes, o governo acabará provendo o que faltar.
Belo Monte não é só Belo Monte. Apesar das incertezas, está planejada para ser a mula madrinha, de arreios vistosos e cincerro tilintante, a encabeçar a tropa de feitos da candidata Dilma Rousseff. Mas, cá entre nós, haverá incerteza maior do que a própria Dilma?
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