sexta-feira, 23 de julho de 2010

Não acabou ainda:: Míriam Leitão

DEU EM O GLOBO

O mundo complicou de novo. O economista Nouriel Roubini acha que este é o ano das duas metades. A Europa segue a rotina de ter uma complicação a cada semana. A crise imobiliária americana não acabou. O Itaú está divulgando avaliações de economistas internacionais, e Barton Biggs, de um hedge fund de Nova York, diz que a situação piorou. O BC subiu menos os juros por fatores internos e externos.

Os sinais da economia internacional são de desaceleração em vários países desenvolvidos.

Roubini, que previu a crise de 2008, define 2010 como o ano das duas metades porque o que foi bem no primeiro semestre pode piorar no segundo. Isso porque há sinais ruins nas economias da Europa, Japão, EUA. Apenas os emergentes estão bem, mas eles podem ser afetados pela reversão nos países avançados.

Global Connections é o novo produto divulgado pelo Departamento Econômico do Itaú, dirigido por Ilan Goldfajn, e contém análises de economistas estrangeiros.

Barton Biggs, diretor-gerente do Traxis Partners, no texto desta semana, admite, no entanto, que é muito cedo para dizer se é o temido double dip (mergulho duplo) que está acontecendo ou apenas desaceleração. A incerteza sobre os mercados é grande, admite o economista, e aí ele recorre a John Maynard Keynes para se proteger de qualquer pergunta futura. Lembra da famosa frase de Keynes: Quando os fatos mudam, eu mudo de opinião. E quanto a você? Tempos de incerteza de novo, pelo visto. A economia mundial mergulhou numa grave crise em 2008, ficou recessiva na maior parte de 2009, entrou em 2010 se recuperando e agora começa a piorar. Roubini mantém a previsão de que a recuperação do mundo desenvolvido será em U, isso significa que os países ficarão mais tempo em estagnação. Para o Japão, a previsão é de conjuntura em L, o que significa que permanecerá estagnado por um tempo ainda mais longo. O Japão está inclusive com novos problemas políticos, o que complica ainda mais a formação de consensos sobre medidas de recuperação.

A pior situação é da Europa, que diariamente tem uma má notícia. Na Espanha, com o desemprego em 20%, chegando a taxas de quase o dobro entre os jovens, o Instituto Nacional de Estatísticas (INE) divulgou que os jovens estão demorando mais de um ano para conseguir emprego.

A economia americana está bem mais dinâmica, mas mesmo assim o Fed na semana passada divulgou uma revisão para baixo do crescimento.

Ainda está positivo, depois da queda do ano passado, mas as autoridades apostavam num crescimento de 3,2% a 3,7% e agora estão numa faixa entre 3% e 3,5%. O mercado imobiliário mostrou novos números negativos e o desemprego ainda está alto.

Os emergentes continuam com bom crescimento. Mas o Banco Central na quarta-feira subiu menos os juros alegando mudanças em fatores internos e externos. Nas entrelinhas, isso quer dizer que o risco de desaceleração aumentou.

Na verdade, o mundo está com ritmos tão diferentes de recuperação que torna a proposta do G-20 de uma coordenação ainda mais difícil. Para Roubini, os emergentes podem ser afetados pela queda do crescimento mundial. No Brasil, se a crise da Europa se agravar, os reflexos podem vir em queda de investimento de empresas europeias e queda de exportações para a Europa. O que mais mexeria com o nosso crescimento, no entanto, seria uma reversão na China, cuja demanda de produtos que o Brasil exporta tem sustentado os preços das commodities.

A China deu sinais de desaceleração e eles devem continuar, segundo analistas, para níveis que seriam altos em qualquer país do mundo, mas que na China podem ter reflexos negativos em várias economias.

Os países ricos estão ficando sem instrumentos para evitar um novo mergulho. Os europeus já começaram a perseguir metas de redução de déficit e dívida. Ainda que sejam para os próximos anos, o cenário já é, em vários países, de aumento de impostos e corte de benefícios. Os incentivos fiscais para tirar as economias da crise estão sendo anulados porque foram eles que causaram o maior estrago nas contas públicas.

Os juros já são baixos demais.

E novos estímulos fiscais agora seriam um tiro no pé porque eles só aumentariam as dúvidas em relação às dívidas soberanas da Europa.

Mas o debate alfabético vai continuar. Uma nova queda da economia dos países desenvolvidos ainda que longe da intensidade da queda de 2008 ou uma demora maior de recuperação? O W ou o U? O que se sabe é que já está sendo abandonada a euforia de vários economistas no começo do ano achando que o V (uma forte recuperação em curso, depois da queda) já estava garantido.

O Brasil será afetado por toda essa mudança de cenário e isso justifica a alteração no ritmo de aumento dos juros. Aqui também houve desaceleração do ritmo de crescimento no segundo trimestre e a queda da inflação de alimentos ajudou a puxar o índice para baixo. Mas há dúvidas em relação aos limites fiscais num ano eleitoral, em que normalmente a tendência é expansionista, mas esse ano é ainda maior.

Como a arrecadação está aumentando, o resultado é menos visível, mas seus efeitos serão sentidos mais adiante.

O governo tem persistido no erro de usar aumento conjuntural de receita para criar despesas permanentes e adiar o enfrentamento de problemas estruturais. Não é assim que se faz um crescimento sustentado.

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