DEU EM O GLOBO
Em seu ultimo dia no cargo, o presidente Lula abriu uma crise diplomática com a Itália ao decidir não extraditar o ex-ativista de extrema esquerda Cesare Battisti, condenado à prisão perpetua em seu país. O governo italiano protestou duramente e chamou de volta seu embaixador. Battisti ficará no Brasil com status de estrangeiro. Em meio a crise e sob a sombra do presidente que sai com popularidade recorde, Dilma Rousseff toma posse hoje como a primeira mulher no Planalto. E herda os desafios de conter os gastos públicos, elevar o investimento em infraestrutura, além de melhorar a qualidade da educação e da saúde.
Na saída, crise diplomática
Lula mantém Battisti, e Itália chama seu embaixador; conflito ficará para Dilma resolver
Luiza Damé, Chico de Gois e Vera Gonçalves de Araújo*
Apresidente eleita, Dilma Rousseff, assume hoje o cargo em meio a uma crise diplomática com o governo da Itália. Ontem, no último dia como presidente, Luiz Inácio Lula da Silva oficializou a decisão de não extraditar o ativista de extrema esquerda Cesare Battisti, condenado em 1988 à prisão perpétua, na Itália, por quatro assassinatos. Battisti ficará no Brasil com o status de estrangeiro. Foi o suficiente para o governo italiano fazer um protesto diplomático, chamando de volta seu embaixador no Brasil.
O governo italiano foi informado com antecedência da decisão. Embora o Palácio do Planalto contasse com uma reação, estranhou o teor da nota do Conselho dos Ministros da Itália, considerando-a acima do limite. O governo italiano considerou a decisão "inaceitável" e afirmou que Lula teria de dar explicações "a todos os italianos, e, em particular, às famílias das vítimas", o que motivou uma dura nota do governo brasileiro.
O anúncio da decisão de Lula foi feito pelo ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, ontem de manhã. No hall do Planalto, Amorim leu a nota do governo, que considera "impertinente" a referência pessoal a Lula no comunicado da Presidência do Conselho dos Ministros da Itália. Lula se baseou em parecer da Advocacia Geral União (AGU) sobre o caso.
O presidente da República da Itália, Giorgio Napolitano, expressou "amargura e contrariedade":
- A decisão do presidente Lula provocou em mim uma grande decepção - afirmou Napolitano, ex-comunista, para quem a negativa da extradição é incompreensível.
Berlusconi: "A Itália não se rende"
Na mesma linha, o primeiro-ministro Silvio Berlusconi enfatizou que haverá recurso contra a decisão. Os advogados do governo italiano já adiantaram que recorrerão ao Supremo Tribunal Federal (STF):
- Expresso profunda amargura e pesar pela decisão do presidente Lula de negar a extradição do assassino Cesare Battisti, apesar de nossos pedidos e solicitações insistentes, em todos os níveis. Trata-se de uma opção contrária ao mais elementar sentido de justiça. Não considero concluído o caso: a Itália não se rende e fará valer seus direitos em todas as instâncias - disse Berlusconi.
Segundo o governo brasileiro, o parecer da AGU "considerou atentamente" as cláusulas do Tratado de Extradição entre os dois países, em particular o artigo que cita, entre os motivos para a não extradição, a condição pessoal de Battisti. O Planalto entende que "esse tipo de juízo não constitui afronta de um Estado ao outro, uma vez que situações particulares ao indivíduo podem gerar riscos, a despeito do caráter democrático de ambos os Estados".
Na nota, o Planalto manifesta "profunda estranheza" com o comunicado do governo italiano, "em particular com a impertinente referência pessoal ao presidente da República". Apesar da troca de farpas, Amorim disse que o caso não afetará as relações entre os dois países, pois o Brasil tomou uma decisão soberana. O anúncio da decisão de Lula deveria ter sido feito pela AGU, segundo Amorim. Mas, explicou o chanceler, coube a ele a tarefa por causa do comunicado da Presidência do Conselho de Ministros da Itália:
- Não temos nenhuma razão para estarmos preocupados com a relação com a Itália. O Brasil tomou uma decisão soberana dentro dos termos previstos no tratado. As razões estão explicadas no parecer da AGU - afirmou Amorim.
Para o governo brasileiro, Battisti não é refugiado nem exilado, pois o STF negou-lhe, em novembro de 2009, a condição de refugiado, revogando a decisão do Ministério da Justiça. Em janeiro de 2009, o ministério havia concedido refúgio a Battisti, mas o governo italiano recorreu ao STF.
Agora, Battisti passa a ser tratado como imigrante que precisa tirar o visto brasileiro para continuar no país - o que será concedido automaticamente, porque, caso contrário, não teria sentido o presidente decidir pela não extradição.
Battisti está no Presídio da Papuda, em Brasília, desde 2007, quando foi preso no Rio. A autorização de soltura depende de despacho do STF. Depois de publicada a decisão de Lula no Diário Oficial, o Ministério da Justiça mandará um comunicado ao Supremo.
Caberá a Dilma cuidar dos próximos passos. O governo sabe que o STF pode julgar a polêmica no plenário e já espera que o governo da Itália recorra. O presidente do STF, Cezar Peluso, avisou que o caso será submetido aos demais ministros em fevereiro. Até lá, Battisti continua preso. Em nota, o advogado de Battisti, Luís Roberto Barroso, comemorou a decisão e reiterou a tese de que seu cliente é inocente.
* Especial para O GLOBO
Em seu ultimo dia no cargo, o presidente Lula abriu uma crise diplomática com a Itália ao decidir não extraditar o ex-ativista de extrema esquerda Cesare Battisti, condenado à prisão perpetua em seu país. O governo italiano protestou duramente e chamou de volta seu embaixador. Battisti ficará no Brasil com status de estrangeiro. Em meio a crise e sob a sombra do presidente que sai com popularidade recorde, Dilma Rousseff toma posse hoje como a primeira mulher no Planalto. E herda os desafios de conter os gastos públicos, elevar o investimento em infraestrutura, além de melhorar a qualidade da educação e da saúde.
Na saída, crise diplomática
Lula mantém Battisti, e Itália chama seu embaixador; conflito ficará para Dilma resolver
Luiza Damé, Chico de Gois e Vera Gonçalves de Araújo*
Apresidente eleita, Dilma Rousseff, assume hoje o cargo em meio a uma crise diplomática com o governo da Itália. Ontem, no último dia como presidente, Luiz Inácio Lula da Silva oficializou a decisão de não extraditar o ativista de extrema esquerda Cesare Battisti, condenado em 1988 à prisão perpétua, na Itália, por quatro assassinatos. Battisti ficará no Brasil com o status de estrangeiro. Foi o suficiente para o governo italiano fazer um protesto diplomático, chamando de volta seu embaixador no Brasil.
O governo italiano foi informado com antecedência da decisão. Embora o Palácio do Planalto contasse com uma reação, estranhou o teor da nota do Conselho dos Ministros da Itália, considerando-a acima do limite. O governo italiano considerou a decisão "inaceitável" e afirmou que Lula teria de dar explicações "a todos os italianos, e, em particular, às famílias das vítimas", o que motivou uma dura nota do governo brasileiro.
O anúncio da decisão de Lula foi feito pelo ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, ontem de manhã. No hall do Planalto, Amorim leu a nota do governo, que considera "impertinente" a referência pessoal a Lula no comunicado da Presidência do Conselho dos Ministros da Itália. Lula se baseou em parecer da Advocacia Geral União (AGU) sobre o caso.
O presidente da República da Itália, Giorgio Napolitano, expressou "amargura e contrariedade":
- A decisão do presidente Lula provocou em mim uma grande decepção - afirmou Napolitano, ex-comunista, para quem a negativa da extradição é incompreensível.
Berlusconi: "A Itália não se rende"
Na mesma linha, o primeiro-ministro Silvio Berlusconi enfatizou que haverá recurso contra a decisão. Os advogados do governo italiano já adiantaram que recorrerão ao Supremo Tribunal Federal (STF):
- Expresso profunda amargura e pesar pela decisão do presidente Lula de negar a extradição do assassino Cesare Battisti, apesar de nossos pedidos e solicitações insistentes, em todos os níveis. Trata-se de uma opção contrária ao mais elementar sentido de justiça. Não considero concluído o caso: a Itália não se rende e fará valer seus direitos em todas as instâncias - disse Berlusconi.
Segundo o governo brasileiro, o parecer da AGU "considerou atentamente" as cláusulas do Tratado de Extradição entre os dois países, em particular o artigo que cita, entre os motivos para a não extradição, a condição pessoal de Battisti. O Planalto entende que "esse tipo de juízo não constitui afronta de um Estado ao outro, uma vez que situações particulares ao indivíduo podem gerar riscos, a despeito do caráter democrático de ambos os Estados".
Na nota, o Planalto manifesta "profunda estranheza" com o comunicado do governo italiano, "em particular com a impertinente referência pessoal ao presidente da República". Apesar da troca de farpas, Amorim disse que o caso não afetará as relações entre os dois países, pois o Brasil tomou uma decisão soberana. O anúncio da decisão de Lula deveria ter sido feito pela AGU, segundo Amorim. Mas, explicou o chanceler, coube a ele a tarefa por causa do comunicado da Presidência do Conselho de Ministros da Itália:
- Não temos nenhuma razão para estarmos preocupados com a relação com a Itália. O Brasil tomou uma decisão soberana dentro dos termos previstos no tratado. As razões estão explicadas no parecer da AGU - afirmou Amorim.
Para o governo brasileiro, Battisti não é refugiado nem exilado, pois o STF negou-lhe, em novembro de 2009, a condição de refugiado, revogando a decisão do Ministério da Justiça. Em janeiro de 2009, o ministério havia concedido refúgio a Battisti, mas o governo italiano recorreu ao STF.
Agora, Battisti passa a ser tratado como imigrante que precisa tirar o visto brasileiro para continuar no país - o que será concedido automaticamente, porque, caso contrário, não teria sentido o presidente decidir pela não extradição.
Battisti está no Presídio da Papuda, em Brasília, desde 2007, quando foi preso no Rio. A autorização de soltura depende de despacho do STF. Depois de publicada a decisão de Lula no Diário Oficial, o Ministério da Justiça mandará um comunicado ao Supremo.
Caberá a Dilma cuidar dos próximos passos. O governo sabe que o STF pode julgar a polêmica no plenário e já espera que o governo da Itália recorra. O presidente do STF, Cezar Peluso, avisou que o caso será submetido aos demais ministros em fevereiro. Até lá, Battisti continua preso. Em nota, o advogado de Battisti, Luís Roberto Barroso, comemorou a decisão e reiterou a tese de que seu cliente é inocente.
* Especial para O GLOBO
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