A criação do novo Partido da Social Democracia (PSD) está provocando não apenas uma razoável alteração na estrutura partidária - a legenda pode começar já maior do que o Democratas, de cuja dissidência se originou - como reabriu uma discussão, que parecia ultrapassada, sobre o que significa hoje ser "de direita" e "de esquerda".
Há no entendimento do que se pode chamar de núcleo central que pensa o novo partido (Kassab, Afif, Claudio Lembo, Kátia Abreu) a sensação de que se colocar como "de direita" reduz o alcance da nova legenda, que se tornaria, na percepção do eleitorado, a representante de uma classe política insensível às questões sociais, ligada ao mercado financeiro e a grandes lucros e, por consequência, grandes falcatruas.
O próprio Lembo, quando governou São Paulo por um período, deu uma célebre entrevista em que denunciou a existência no país de "uma burguesia muito má, uma minoria branca muito perversa".
Segundo ele, "todos são bonzinhos publicamente. E depois exploram a sociedade, seus serviçais, exploram todos os serviços públicos. Se nós não mudarmos a mentalidade brasileira, o cerne da minoria branca brasileira, não iremos a lugar algum".
Daí a tentativa do prefeito Gilberto Kassab de identificar o novo partido como sendo de centro-esquerda, o que não poderia ser levado a sério.
Ele então tentou negar qualquer tendência, dizendo que o PSD não seria "nem de esquerda nem de direita nem de centro". Pior a emenda que o soneto, e também não deu certo.
Agora parece que há um consenso de que o programa partidário a ser elaborado refletirá um partido "de centro".
Kassab chega a argumentar que investiu muito mais do que a ex-prefeita Marta Suplicy em programas sociais, o que indicaria que seu governo pode ser definido como de centro-esquerda.
Mas admite que toda essa dificuldade de se posicionar leva em consideração distorções históricas da política brasileira, que identifica "direita" com o período militar, e a "esquerda" com liberdade e luta contra a desigualdade.
A corrupção, que também era historicamente ligada à direita no Brasil, tornou-se um fardo também para a esquerda quando o PT chegou ao poder, nivelando por baixo o debate político nesse quesito. Mas o DEM sofreu mais com o escândalo do governador José Roberto Arruda no Distrito Federal do que o PT com o do mensalão.
E o novo partido pode sofrer um baque talvez insuperável se progredirem as negociações para que o filho de Jader Barbalho seja um dos seus fundadores no Pará.
Em outro momento dessa mesma discussão sobre tendências políticas no mundo moderno, registrei aqui na coluna que o filósofo italiano Norberto Bobbio escolheu a igualdade como parâmetro neste momento em que as fronteiras não são muito claras ou parecem ter desaparecido por completo.
A direita estaria mais preocupada com a liberdade, enquanto a esquerda enfatizaria sua pregação na redução ou eliminação da desigualdade.
O prefeito Gilberto Kassab rejeita a ideia de que não se preocupe com a desigualdade, ou de que o novo partido não tenha esse como um dos seus principais objetivos.
Acha, no entanto, que o mundo globalizado introduziu nas relações econômicas uma complexidade que exige maior eficácia nas ações governamentais e menos simplificações de definições.
Exemplifica com a interferência do Estado, afirmando que não é possível simplificar a discussão entre "Estado forte" e "Estado mínimo", e que a ação governamental depende da área que se discute: "Duvido que alguém tenha investido mais em saúde do que eu na prefeitura de São Paulo. Ali sem dúvida o Estado atua fortemente", diz ele.
O prefeito paulistano diz que tudo depende do bom senso e que a eficiência administrativa se impõe como uma necessidade dos governos modernos, sejam de que tendência forem.
Um dos alvos do novo partido é a nova classe média urbana que surgiu nos últimos anos e que, segundo diversos estudos, tende a ser conservadora para manter os avanços alcançados com a mobilidade social.
Conectada por modernos meios de comunicação, tem acesso a informações que vão moldando seu comportamento e aspirações sociais, mas também a incluindo no sistema democrático.
O prefeito Gilberto Kassab relaciona o que considera "de direita" no Brasil com atitudes como as de Jair Bolsonaro, que mais uma vez está envolvido com manifestações racistas e preconceituosas, lamentando que não exista por parte da média do eleitorado uma separação entre políticos radicais como Bolsonaro, que representam o atraso de certos setores da sociedade, não apenas quanto à desigualdade social, mas também em questões de raça e gênero, e outros, também tachados pejorativamente de "direitistas".
O fato é que o novo partido parece estar se formando com bastante força política em diversos estados, atraindo governadores, como Raimundo Colombo, de Santa Catarina, ou vice-governadores como Otto Alencar, na Bahia, e uma forte bancada de deputados federais e prefeitos, e a ideia inicial de se fundir com o PSB parece cada vez mais distante.
Ainda mais porque existe a possibilidade, cada vez mais real, de que o Democratas não resista a essa debandada e apresse sua fusão com o PSDB, talvez até mesmo antes das eleições municipais do ano que vem.
O futuro PSD herdaria assim esse nicho eleitoral que nunca foi ocupado integralmente pelo antigo PFL, atual DEM, e teria a oportunidade de demonstrar, através de atos, que ser "de direita" no Brasil de hoje não deve ser confundido com atraso político ou insensibilidade social. A conferir.
FONTE: O GLOBO
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