quinta-feira, 31 de março de 2011

Fracasso sindical :: Cássio Casagrande

Em tempos de euforia econômica, pleno emprego e aumento da massa salarial, certamente ninguém esperava a eclosão de revoltas operárias no Brasil. Os graves episódios de Jirau, bem como as tumultuárias paralisações em Pecém e Abreu Lima, surpreenderam a todos, inclusive os respectivos sindicatos de base, que prontamente arvoraram-se em declarar que os movimentos ocorreram à sua revelia.

Mais surpreendente do que o movimento trabalhista em si e a anomia sindical que se lhe seguiu, só mesmo a bizarra declaração dos responsáveis pelo consórcio construtor da Usina de Jirau, de que a revolta foi provocada por "um grupo de vândalos", retórica bastante usual na República Velha em que a questão social era nada mais do que "uma questão de polícia". Não é crível que uma centena de ônibus e dezenas de alojamentos pudessem ser destruídos por um mero espírito de vandalismo inconsequente, sem que um caldo de cultura de opressão e exploração estivesse fervilhando entre trabalhadores sujeitos a péssimas condições laborais.

A revolta de Jirau em boa hora vem nos lembrar que "a felicidade geral da nação" ainda é uma realidade distante para milhares de trabalhadores migrantes do Norte-Nordeste, que em decorrência da escassez de mão-de-obra no Sul-Sudeste são recrutados por mercadores de peões (conhecidos no jargão proletário como "gatos") para trabalhar em condições degradantes, seja nas obras do PAC, seja nos canaviais do "moderno" setor sucroalcooleiro, onde não raro morrem de fadiga.

Os acontecimentos de Jirau, Pecém e Abreu Lima não despertaram maior atenção do público porque coincidiram com a visita de Barack Obama ao Brasil. Em seu celebrado discurso no Theatro Municipal do Rio de Janeiro, o líder americano destacou o grau de evolução da democracia brasileira, enquanto as chamas ainda ardiam em Rondônia, como a advertir que o regime democrático não se resume ao direito de voto: só há democracia onde os direitos da cidadania são respeitados, inclusive no local de trabalho.

Apenas uma central sindical pediu que as condições de trabalho dos empregados sejam investigadas. O governo federal mandou a Rondônia as tropas da Força Nacional e parece preocupado que o cronograma das obras do PAC siga adiante. Seria importante ter enviado também uma força-tarefa para verificar as condições de trabalho no local. Se há algo de notável a ser celebrado nestas revoltas é o fato de que o Estado não conseguiu amalgamar em seu aparato burocrático toda a espontaneidade e vivacidade dos movimentos sociais e do sentimento de justiça dos trabalhadores.

No entanto, a revolta de Jirau, em sua força bruta e chocante, também nos faz pensar como ainda estamos longe do Primeiro Mundo, não apenas em razão da persistência do trabalho degradante, como pela dificuldade que os trabalhadores encontram em canalizar suas reivindicações através de um sindicalismo de base efetivamente representativo e independente.

Cássio Casagrande é procurador do trabalho no Rio.

FONTE O GLOBO

Um comentário:

Gracilea Alves disse...

É muito bom saber que, ainda existem grandes profissionais que lutam em defesa dos direitos trabalhistas. Parabéns ao autor do blogger.