POLÊMICA NO CAMPO
Stédile cobra de Dilma mudança na política de Lula e diz que Bolsa Família acomoda militantes
Letícia Lins
Um dos mais radicais coordenadores do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), João Pedro Stédile disse ontem que o número de acampados à espera da reforma agrária diminuiu no país por causa do Bolsa Família e cobrou da presidente Dilma Rousseff que, diferentemente do que fez o governo Lula, segundo ele, evite o loteamento político do Incra:
- Ela devia fazer como se faz no Banco Central, para o qual só se indicam técnicos. É disso que o Incra está precisando, mas todos os superintendentes regionais ainda são os mesmos do governo anterior - reclamou o líder do MST.
No primeiro ano da gestão Lula, segundo Stédile, o MST tinha 200 mil famílias acampadas, e agora, no começo do governo Dilma, tem cerca de 60 mil em todo o país. Para ele, o Bolsa Família é um dos entraves para o recrutamento de militantes para ocupar propriedades rurais, mas disse também que os sem-terra cansaram de esperar por uma reforma agrária que jamais se concretiza.
- Durante os governos Fernando Henrique Cardoso e Lula, não mudamos a intensidade (de invasões). Promovemos uma média de 280 ocupações anuais. Mas em 2010, ano de eleição, esse ritmo caiu em todo o país. Também tivemos uma lentidão muito grande na execução da reforma agrária, e isso leva as famílias ao desânimo. Faz parte da psicologia social. Elas indagam: por que vou acampar se a reforma agrária vai demorar, se não acontece? - disse Stédile, em entrevista em Recife, onde foi lançar uma campanha contra o uso de agrotóxicos.
Stédile reconheceu que o fato de o então presidente Lula ter prometido que faria a reforma agrária "com uma canetada" motivou os sem-terra a fazerem maior quantidade de ocupações, achando que, com a pressão, a redistribuição de terras realmente deslancharia. Mas, segundo Stédile, não foi isso o que ocorreu. Para ele, Lula priorizou o agronegócio em detrimento da agricultura familiar e fez pouco para mudar o modelo agrário do país:
- E, no último ano do governo Lula, nada se fez pela reforma agrária. Então estamos dizendo para Dilma: por favor, reorganize o Incra, e vamos retomar a reforma agrária, como está prevista na Constituição, segundo a qual o governo é obrigado a desapropriar a grande propriedade que não produz. Isso é lei. Nós, dos movimentos sociais, vamos continuar denunciando a existência de latifúndios improdutivos e passíveis de desapropriação - afirmou.
Direção do Incra se recusa a comentar
Stédile disse ainda que, somando todos os movimentos sociais que atuam na área rural, as famílias acampadas hoje não passam de 80 mil, cerca de 400 mil pessoas. No início do governo Lula, só o MST tinha cerca de um milhão de homens, mulheres e crianças morando em barracas à espera da reforma agrária, onde normalmente recebem cestas básicas do governo. Com maior cobertura dos programas sociais, a demanda caiu nas fileiras do MST:
- É evidente que o Bolsa Família acomodou as pessoas em algumas regiões - disse Stédile, afirmando que o aquecimento da economia também pode ter favorecido a situação de lavradores. Ele avisou, no entanto, que na segunda quinzena deste mês o MST vai dar início ao que chama de jornadas, com a retomada de invasões:
- Para que não digam que sou sectário, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso fez uma coisa boa. Instituiu o 17 de abril como Dia Nacional de Luta pela Reforma Agrária. Em todo o Brasil, haverá mobilização de ocupação de terras, para denunciar que a reforma está parada desde 2010, e vamos continuar ocupando o latifúndio.
Procurada pelo GLOBO, a direção do Incra não quis comentar as declarações de Stédile.
FONTE: O GLOBO
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