E as que já tinham recebido lotes reclamam da burocracia e da falta de estrutura e crédito
TRACUNHAÉM (PE). Denunciada pela Comissão Pastoral da Terra (CPT), a redução de 44% do número de famílias assentadas pelo Incra no país em 2010 foi ainda maior em Pernambuco. No estado, historicamente marcado por lutas campesinas, há 17 mil famílias acampadas, ou cerca de 85 mil pessoas, segundo o próprio Incra. Já os 17 movimentos sociais que ocupam terras em Pernambuco dizem que são 20 mil famílias.
De acordo com a CPT e o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), em 2010 nenhuma família foi assentada em Pernambuco e nenhuma fazenda, desapropriada. O GLOBO encontrou assentamentos com cinco anos de implantação, onde os ex-sem-terra moram em casebres de taipa sem água, deixam de comer para comprar sementes ou trabalham em outras atividades para não passarem fome. Um dos assentados não lembrava a última vez em que conseguiu fazer três refeições diárias.
Os assentados culpam o excesso de morosidade e a burocracia do Incra pelas dificuldades. Já o instituto se defende e diz que, em 2010, a fazenda Santa Rosa foi desapropriada e 432 famílias, assentadas em Pernambuco. Mas os movimentos sociais afirmam que o assentamento não saiu do papel. O GLOBO constatou que novos assentados ocuparam terras abandonadas pelos destinatários originais, na chamada recomposição de lote, procedimento previsto nas leis agrárias.
João Apolinário da Silva, de 49 anos, vive no assentamento Chico Mendes, em Tracunhaém. Ele morou numa barraca durante 16 anos, em acampamento coordenado pela CPT. Está assentado há cinco anos, mas mora em casa de taipa, com chão de terra batida, sem água, luz, banheiro, fogão a gás e nem comida:
- Não lembro quando comi três vezes por dia. A reforma agrária que sonhei era bastante melhor. Esperava uma casa boa, crédito para plantar, produtos para negociar - disse João, que cultiva aipim, milho e inhame e vive com cerca de R$100 por mês. - Não tenho dinheiro para comprar semente nem para comida.
No assentamento Ismael Filipe, Elias Francisco Gomes, de 45 anos, e sua mulher, Ana Patrícia Gomes, de 35, reclamam dos bichos dentro de casa. Já enfrentaram aranhas caranguejeiras, cobras e ratos. Mas o fantasma maior é a precariedade da casa onde moram com duas filhas. A casa está sustentada para que as paredes de taipa não desabem.
A casa só tem um vão onde dorme toda a família. Quando chove ninguém tem sossego. E, quando faz sol, as telhas de amianto aumentam o calor. A família está assentada há cinco anos. Planta milho, maracujá, feijão, inhame, banana e aipim. Tem 20 galinhas e quatro cabras e há cinco anos espera por crédito para o plantio.
Incra: falta de documentos de associações atrasa verbas
O Incra afirma que, entre os motivos para atraso na liberação das verbas, estão documentação incompleta das associações de assentados, falta de licença ambiental e de recursos para viagens dos servidores ao interior para acompanhar e monitorar os assentamentos.
Segundo a CPT, apesar de ter prometido fazer a reforma agrária "com uma canetada", o governo Lula não a consumou em oito anos de gestão. O superintendente substituto do Incra em Recife, Carlos Eduardo Costa Lopes, diz que a situação este ano pode piorar. Com o corte de 60% em diárias, passagens e locação de veículos, a mobilidade de servidores da autarquia fica ainda menor. A situação é alvo de críticas ácidas de representantes da CPT:
- Dá repugnância um governo que despreza o povo do campo feito este, que não quer fazer reforma agrária, nem quis o anterior, nem o anterior do anterior - diz o padre escocês Thiago Thorby, da CPT, que há mais de 40 acompanha a situação do campo no Brasil. (Letícia Lins)
FONTE: O GLOBO
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