Há tragédias sobre as quais não há nada a dizer, mas que o jornalista tem vontade de compartilhar, de avisar ao leitor que sente a mesma dor. Há tragédias sobre as quais se pode racionalizar, tentar entender. Em algumas, há a chance de algo confortador: pensar objetivamente nos passos a serem dados para evitar a repetição da infelicidade. Mas em momentos como agora, não há palavras.
E, no entanto, o jornal sai todos os dias. Todos os dias contamos histórias, os colunistas fazem colunas nos dias certos e incertos. Há páginas especializadas e assuntos específicos. O jornal é o mundo inteiro. Há assuntos nos quais me abrigar. Posso falar do IPCA que saiu acima do previsto e que já leva o acumulado em doze meses para perto do teto da meta; ou o risco que Portugal representa de contágio da Espanha e o medo do calote das dívidas soberanas, esse fantasma que ronda a Europa. A notícia espantosa de outro terremoto no Japão. Posso falar da última medida do ministro Guido Mantega, da última elevação do IOF para moderar o consumo. A crise no Oriente Médio. O petróleo acima de US$120. Temas não faltam nesse dia intenso que foi o 7 de abril de 2011.
Esse é um espaço de economia, eu tenho para onde correr, eu posso usar a gelada palavra "macroprudencial" e me esconder dessa notícia que cresce nas telas da informação online, nos rádios e nas televisões, que ocupa todas as mentes. A sua mente e a minha. A dúvida é: onde poderei me esconder desse desconsolo que se abateu sobre mim - e sobre você que me lê? Eu sinto o leitor e a leitora hoje mais do que nos outros dias e preciso dessa conversa, como um aconchego, mais do que nos dias normais. Quero apenas admitir, leitor, leitora, que eu não entendi. Você pode me explicar? Fiquei apenas querendo conversar um pouco com vocês sobre isso neste espaço onde o econômico deveria ser a matéria principal.
A presidente falou sobre a palavra certa: "brasileirinhos". Eles eram. E estavam no local certo onde crianças devem estar durante o dia: na sala de aula. As marcas do sangue delas mancham ainda as paredes e o chão da escola onde estudavam. Nas que sobreviveram, ficará o trauma, nas que saíram correndo em pânico, ficarão lembranças das cenas inesperadas como se fosse um filme de terror proibido para menores. Precisarão ser cuidadas e protegidas porque se nem nós adultos entendemos, o que poderão processar nas suas mentes ainda em formação? Pode-se pensar em lutar contra os efeitos colaterais do ocorrido, nas que escaparam, felizmente.
O Brasil tem problemas, bem sabemos. Mas esse tipo de ataque inesperado, cruel, premeditado de um louco em uma escola, nós só estávamos acostumados a ver à distância, com perplexidade estrangeira. De repente, acontece na nossa porta e procuramos explicações. Os especialistas darão informações e o país precisa delas porque entender organiza a dor. Mas, sinceramente, eles sabem explicar outros tipos de violência: a do trânsito, que enluta tantas famílias diariamente; a provocada pelo tráfico de drogas, que arruína vidas tão jovens; a produzida pela ausência do Estado, tão frequente. Em cada uma dessas vertentes do absurdo cabe análise, explicação, estatística e estratégia de solução. Isso faz com que a tristeza seja enquadrada, organizada, superada. Os estudiosos sempre serão necessários nesse momento para explicar o que faz surgir uma pessoa como ele, como tratá-la, como famílias e pessoas próximas podem sentir o perigo. Mas mortes de crianças numa escola, provocadas por um louco que planejou seu crime com a frieza das mentes perturbadas, deixou uma carta sem sentido e morreu junto aos inocentes que atingiu, isso não é explicável.
É o momento do luto apenas. Das famílias, de Realengo, do Rio, do país. De perplexidade, espanto, raiva, mas sobretudo dessa tristeza funda. Dá vontade de pensar que quem sabe tenha sido só um pesadelo que aconteceu num país distante, numa escola longe daqui. Mas infelizmente isso ocorreu aqui mesmo; não podemos dizer aquela frase de sempre: "acontecem umas coisas estranhas nos Estados Unidos." Temos que tentar entender e evitar fatos para os quais não estávamos preparados. Como os terremotos e os vulcões; as nevascas e os grandes furacões. Fatos que só aconteciam com os outros e não conosco.
Há momentos de se pedir desculpas e dizer: amanhã eu voltarei ao normal; vou falar dos tantos fatos da economia, da política internacional, dos impasses econômicos, dos equívocos das políticas públicas, ou de um grande negócio que mudará a estrutura de um setor empresarial do país. Posso falar do consumo, das dúvidas sobre o aquecimento da economia, e até das listas de medidas que podem segurar o insustentável dólar. Amanhã, prometo falar de assuntos destinados aos cérebros. Hoje, quero ficar aqui pensando na vida que poderia ter sido e que não foi, de dez meninas e dois meninos. Quero pensar nas mães, nos pais, irmãos e professores que viram e sofreram diretamente o que eu apenas entrevi. Quero esperar que todos encontrem consolo, de alguma forma. Que a escola volte a abrir as portas, se reorganize, cure suas feridas. Que a escola de Realengo, e todas as outras do país se dediquem a ensinar e preparar outros brasileirinhos para o futuro. Futuro que ontem foi roubado de dez meninas e dois meninos. Quero só ficar com você em silêncio pensando na vida.
FONTE: O GLOBO
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