Tantos deuses, tantos credos / Tantos caminhos que serpeiam, serpeiam (...) (Ella Wheeler Wilcox, The World"s Need)
Durante uma conferência recente sobre a condução da política econômica no período pós-crise organizada pelo FMI, o economista-chefe da instituição, Olivier Blanchard, defendeu a necessidade de uma "revisão abrangente dos princípios da política macroeconômica", destacando que a crise revelou os limites tanto dos mercados quanto do intervencionismo estatal. Segundo o economista, no "admirável mundo novo" pós-crise é necessário ter um espírito desbravador, inclinado a explorar diferentes opções que permitam navegar de forma mais adequada os desconhecidos mares dos novos dilemas da política econômica. Mas aquilo que para alguns tem um ar romântico de exploração e novidade, para outros é simplesmente o dessoterramento de velhos e frágeis artefatos.
O governo brasileiro atendeu prontamente à exortação de Blanchard, desenterrando peças quebradiças das tumbas da política econômica. Ações intervencionistas de todo tipo, antes classificadas sob rótulos pouco atraentes, como "repressão financeira" e "administração cambial", agora são chamadas de "macroprudenciais", uma denominação moderna e oportunista. Sob a justificativa de que é necessário combater os problemas causados pelas políticas frouxas dos outros, reeditam-se velhas distorções. A iniciativa mais recente, a imposição e subsequente extensão de um novo Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) sobre a contratação de dívidas corporativas e bancárias no exterior, além das ameaças constantes de adoção de novas restrições, diante da incapacidade de conter a valorização do real, vai criando as condições para o retorno gradual dos regimes de câmbio múltiplo. Como já se viu antes, as tentativas fracassadas de dirigir os mercados tendem a gerar instrumentos alternativos, como o câmbio para os exportadores, para as viagens internacionais, para as compras das empresas, e por aí vai. As discussões sobre o papel do crédito público como fomentador do investimento de longo prazo, a reimplantação dos mecanismos de indexação, com as novas propostas de fixação do salário mínimo e do Imposto de Renda, a interferência do governo no planejamento estratégico de grandes empresas para "garantir o aumento do valor adicionado" também são artigos bolorentos do museu de políticas malsucedidas. Não são, como têm arguido certos membros da equipe econômica, bússolas para desbravar "o admirável Brasil novo".
Mas não é só isso. A política monetária, no Brasil e no mundo, parece cada vez mais inclinada a ressuscitar a desgastante engrenagem de stop-and-go da década de 70, que vacilava constantemente entre a priorização do combate inflacionário e da preservação do crescimento. Diante dessas crescentes evidências de mudança de regime, surge um questionamento fundamental. Será, como alertou certa vez o economista Dionisio Dias Carneiro, que estamos sofrendo as consequências de ter tentado reformar o Brasil com taxas de juros muito altas? Isto é, as alterações nos fundamentos da política macroeconômica brasileira estão refletindo a fadiga da sociedade com o lento e árduo processo de redução dos juros? Ou as novas ações seriam só um flerte exploratório, adolescente e efêmero, fruto do aval global para a adoção da heterodoxia? Eis a dúvida. O grau de desorganização macroeconômica que o País poderá enfrentar nos próximos dois anos depende da resposta.
Na década de 80, Dionisio escreveu o seguinte sobre o governo Geisel (1974-1979): "Os conflitos entre estabilização e ajuste estrutural, que caracterizariam a política econômica do governo Geisel, teriam sido resolvidos em favor de uma estabilização mais drástica, aceitando-se um crescimento deliberadamente menor por dois anos, por exemplo, para realizar a expansão em bases mais condizentes com as possibilidades dos anos seguintes". Ironicamente, as semelhanças entre o governo militar de Geisel e o governo democrático de Dilma são cada vez mais nítidas.
Economista, professora da PUC-RJ. É diretora do IEPE/CASA DAS GARÇAS
FONTE: O ESTADO DE S. PAULO
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