Em meio a mais uma crise, o Senado aprovou várias propostas de reforma política que terão que ser confrontadas com as da Câmara para que se viabilize um projeto comum para aprovação. Fica claro na maioria das justificativas uma tentativa de refazer o contato com a opinião pública, com admissões de culpa expressas pela crise de representatividade dos partidos políticos. E algumas medidas são, realmente, passos importantes no aperfeiçoamento institucional.
O tema mais polêmico, por exemplo, o voto em lista fechada, não está na relação de emendas constitucionais ou projetos de leis já encaminhados porque não se chegou a um acordo sobre que instrumento legal será necessário para essa alteração.
Da mesma forma, a proposta de financiamento público de campanha ficou suspensa, pois depende da aprovação do voto em lista fechada, pelo qual os partidos políticos preparam, por critérios internos, uma lista de candidatos que ocuparão as vagas reservadas aos partidos de acordo com a quantidade de votos que a legenda receber.
O eleitor votará apenas na legenda. Se um partido, na divisão determinada por lei, tiver direito a indicar 15 deputados federais, por exemplo, os 15 primeiros da lista partidária serão eleitos.
Para complicar mais ainda a situação, chegou à comissão do Senado uma manifestação do jurista Ives Gandra Martins, presidente do Conselho Superior de Direito da Federação do Comércio de São Paulo, declarando inconstitucional a adoção do voto em lista fechada.
Para o jurista, a proposta fere uma cláusula pétrea estabelecida no artigo 60, §4º, inciso II, da Constituição. Segundo ele, "manifestamente, o voto em lista é incompatível com o voto direto, secreto, universal e periódico, porque afronta o preceito constitucional citado". Ele afirma que a proposta legislativa "retira do eleitor o poder de escolha de seu representante, como estabelece o parágrafo único do artigo 1º da Carta Magna. Se todo poder emana do povo, como proclamado pelo referido parágrafo único, o Voto em Lista é inconcebível no Estado Democrático", conclui o jurista.
O Senado preparou sete emendas e dois projetos de lei, sendo o mais importante deles, na minha opinião, a emenda constitucional que determina que somente com um referendo poderá ser alterado o sistema eleitoral em vigor atualmente.
"Qualquer alteração no princípio da proporcionalidade, como as diferentes modalidades de voto distrital, bem como toda tentativa de fechar e bloquear as listas partidárias importa em subtração da soberania popular", diz a justificativa do referendo.
"Decisões dessa ordem não podem depender apenas do rito de aprovação de emendas constitucionais, mas devem ser sancionadas pelo principal interessado: o eleitor, em referendo convocado para esse fim".
A proposta de emenda que acaba com a reeleição é justificada por depoimentos de senadores que exerceram cargos no Executivo ou tentaram a eleição que afirmaram que o titular do mandato, ao acumular a condição de candidato, compete na campanha eleitoral em condições extremamente favoráveis em comparação com os concorrentes. A reeleição introduziria "um viés quase insuperável no processo eleitoral em favor da continuidade da administração".
A proposta do Senado é recuperar do texto original da Constituição de 1988, que fixa os mandatos em 5 anos e declara inelegíveis para os mesmos cargos, no período subsequente, o presidente da República, os governadores, os prefeitos e quem os houver sucedido ou substituído nos seis meses anteriores ao pleito.
O direito à reeleição fica garantido aos atuais chefes do Executivo que estejam exercendo um primeiro mandato, por meio de normas transitórias.
Os mandatos do presidente da República e dos governadores a serem eleitos em 2014, e os dos prefeitos eleitos em 2012 terão, curiosamente, um acréscimo para que seja feita outra alteração, o do dia da posse.
O presidente ganhará mais 15 dias, e os governadores e prefeitos mais dez dias para que os escolhidos nas eleições seguintes já possam tomar posse em datas mais "normais", em vez de 1º de janeiro.
Isso aconteceria também para que os mandatos que estão em curso não sejam nem prorrogados nem reduzidos.
A emenda que põe fim às coligações proporcionais, um dos mais importantes tópicos da reforma política proposta pelo Senado, é defendida em termos assemelhados a uma confissão de culpa dos políticos:
"Ocorre que a experiência brasileira revela que as coligações eleitorais nas eleições proporcionais, em geral, constituem uniões passageiras, estabelecidas apenas durante o período eleitoral por mera conveniência, sem qualquer afinidade entre os partidos coligados no tocante ao programa de governo ou ideologia. Tais coligações objetivam, sobretudo, aumentar o tempo de propaganda eleitoral no rádio e na televisão de partidos maiores e viabilizar a conquista de um maior número de cadeiras nas Casas Legislativas por partidos menores, ou permitir que essas agremiações alcancem o quociente eleitoral. Além disso, o voto dado ao candidato de um determinado partido ou à própria legenda pode contribuir para a eleição de candidato de outra agremiação que integre a coligação".
A aprovação da candidatura avulsa também tem embutida uma crítica à formação dos partidos, e uma admissão de que vivemos uma crise política: "Para responder à crise é preciso revigorar os partidos e, ao mesmo tempo, permitir a expressão eleitoral de forças que não se sentem representadas no atual sistema partidário". Mas essa válvula de escape só vale para as eleições locais de prefeito e vereadores, que precisarão ter apoio de meio por cento do eleitorado da circunscrição.
Outra medida que teoricamente melhorará o desempenho dos partidos foi a aprovação da chamada "cláusula de desempenho" para a atuação parlamentar de um partido.
Só terá direito a ela o partido que eleger no mínimo três representantes de diferentes estados. Por esse critério, pelo menos 5 partidos estariam alijados do Congresso na eleição de 2010: PHS com 2; PRTB com 2; PRP com 2; PTC; e PSL com 1 cada.
Mas, como sempre, os políticos encontram um jeitinho de deixar uma brecha. Está dito na proposta que será facultada à Mesa Diretora da Câmara "a tarefa de dispor sobre o funcionamento parlamentar do partido com representação eleita ou filiada inferior a esse número".
E o projeto também mantém o direito da propaganda eleitoral gratuita para os partidos que elegeram só um deputado.
FONTE: O GLOBO
Nenhum comentário:
Postar um comentário