Com palavras que entram e saem das atas do Copom, os analistas do mercado financeiro, das empresas, das consultorias vão entendendo os sinais do Banco Central. Na ata divulgada ontem, o Banco Central escreveu a palavra "principalmente" antes da expressão "ações convencionais de política monetária." Foi entendido que os juros podem subir mais.
É preciso ler também as ausências. Na última ata, depois da horrenda palavra "macroprudencial" - que quer dizer controle de crédito - estava escrita a definição "um instrumento rápido e potente para conter a demanda." Desta vez, a definição não estava mais lá. Juntando o fato de que o BC vai principalmente usar as ações convencionais e não está repetindo que o macroprudencial é "rápido e potente", analistas como o professor Luiz Roberto Cunha, o economista Luis Otávio Leal e economistas de diversos bancos concluíram que a instituição acredita mais em juros do que em medidas como IOF sobre crédito para controlar a inflação.
Pode-se imaginar que tudo isso é um jogo de apostas, em que palavras servem para se tentar adivinhações. Na verdade, esse ritual de comunicação entre o Banco Central e as instituições que compram - com o nosso dinheiro - títulos da dívida pública remunerados pela taxa Selic é uma forma de dar transparência e previsibilidade às ações do BC. Através disso ele vai se comunicando e influenciando as expectativas. Quanto mais transparente e coerente for, mais influente será.
Por isso, existe a ata, uma semana depois de cada reunião do Copom, e Relatório de Inflação, de três em três meses. Cada palavrinha presente ou ausente serve para indicar aos iniciados que movimentos o BC pode fazer. Neste momento, a autoridade monetária está diante de enormes desafios: conseguirá convencer que tem mesmo autonomia para combater a inflação? Está o Banco Central sabendo avaliar todos os riscos presentes na economia brasileira e mundial? Há controvérsias. Até dentro do banco, porque dois dos diretores votaram por um aumento de 0,5 ponto percentual, e não 0,25 p.p., como foi aprovado. Esses diretores acham que era preciso "mitigar riscos de que pressões inflacionárias recentes se transmitam ao cenário prospectivo." Em uma palavra, eles temem a "indexação".
Quanto maior a inflação, quanto mais confusas as análises e expectativas, mais cada pessoa ou empresa tenta garantir nos seus preços e contratos que não vai perder renda. Os aluguéis, por exemplo, são corrigidos pelo IGP-M. Os IGPs são índices nervosos: caem drasticamente, às vezes; disparam, em outros momentos. Por isso, o dono do imóvel se garante e registra no contrato que é o IGP-M ou o IPCA, "o que for mais alto." Assim, no ano de 2009, os IGPs ficaram abaixo de zero, mas ninguém reduziu o aluguel. No ano passado, ele passou de 10%. Ou seja, o inquilino sofre sempre. Quando a demanda está aquecida, como agora, o proprietário cresce para cima do inquilino. Imagine que o locatário é um cabeleireiro que possa impor aumento no seu preço. Ele tenderá a subir na mesma proporção dessa elevação de custos. Os resquícios da cultura inflacionária numa economia aquecida, com o governo dando sinais de que está convencido de que a inflação é tolerável porque está subindo em todos os países do mundo, são ingredientes para uma grande confusão. Essas mudanças bruscas dos IGPs têm uma explicação: eles são índices formados por preços ao consumidor, custos da construção civil e matérias-primas. Quando dispara o preço do minério de ferro, pode ser bom para a balança comercial e para a Vale, mas afeta esse índice de inflação. O mesmo com o petróleo e alimentos in natura. E por aí vai. O risco é de transmissão da inflação de um ano para o outro.
Algumas tarifas de serviços públicos, como a energia elétrica, também são corrigidas ou afetadas por este índice, que subiu muito no ano passado. Onde há competição de produto importado isso não acontece porque o dólar está caindo e neutralizando parte do aumento. Na área de serviços, o impacto é maior. Por isso a inflação de serviços ultrapassou 8%.
Na ata de ontem, o Banco Central disse que "a demanda se apresenta robusta", ou seja, está todo mundo comprando muito. Em parte pelo crédito, em parte pelo aumento da renda. Para o BC, o governo cortou gastos, mas os estímulos dados na época da crise ainda estão acelerando a economia. A verdade é um pouco mais complexa. O governo cortou gastos de um lado e aumentou de outro, fez superávit primário aumentando arrecadação e não cortando despesas, e demorou demais a retirar os incentivos fiscais ao consumo porque 2010 era ano eleitoral. Mas isso certamente não estaria numa ata do Copom. De vez em quando, com sua linguagem de contorcionista, o Banco Central avisa delicadamente que o governo tem que cortar gastos. Mas isso produz resmungos no Ministério da Fazenda e esta administração ainda não ficou "robusta" - usemos a palavra que os economistas gostam tanto - o suficiente para uma ousadia dessas. E o BC ainda não é autônomo no Brasil; tem autonomia quando o governo a concede.
Outro recado dado pelo BC no palavrório de ontem foi que a temporada de alta de juros vai ser "suficientemente prolongada" para conter a inflação. Disse no parágrafo 30 e repetiu no 32. Tudo lido e traduzido fica ainda insuficiente para se saber como o BC pretende reverter o jogo que ainda está embolado no meio-de-campo.
FONTE: O GLOBO
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