quarta-feira, 18 de maio de 2011

A lição do acorrentado:: Zuenir Ventura

O homem acorrentado na amurada da Câmara Municipal do Rio funcionou como um símbolo. Sem qualquer organização por trás, nem partido político nem ONG, o balconista de 52 anos, dono de uma velha Parati de R$6 mil, encarnou o protesto da opinião pública contra mais um desvio de conduta dos vereadores - desta vez com a compra de carros de luxo no valor de R$69 mil cada para os representantes de quem anda de trem, ônibus, metrô, quando não a pé, isto é, o povo. A lição do episódio foi clara: o Legislativo e o Executivo só agem sob pressão popular, seja diretamente ou através da mídia. Pena que os eleitores exercitem tão pouco o seu poder.

Não se deve generalizar, mas no caso apenas uma exceção de cinco rejeitou logo o presente: Teresa Bergher, Brizola Neto, Andrea Gouvêa Vieira, Eliomar Coelho e Paulo Pinheiro. A maioria, ou aceitou correndo ou se arrependeu ou ficou indecisa, com certeza esperando a repercussão. O presidente da Casa não explicou por que desistiu da compra, se a considerava tão normal. Preferiu tirar o corpo fora e repassar a responsabilidade para os colegas, alegando que, numa reunião em março para tratar do assunto, 41 "defenderam veementemente a aquisição". De qualquer maneira, foi por causa dos efeitos negativos do seu ato que ele voltou atrás.

É bom não esquecer, porém, que nesse quesito de desvios a Câmara Municipal não está sozinha - ela enfrenta a concorrência da Câmara Federal e do Senado. Agora mesmo se soube pela imprensa que, se for aprovado com todas as alterações propostas, o novo Código Florestal Brasileiro protegeria pelo menos 27 deputados federais e três senadores integrantes da bancada ruralista. Eles se livrariam de multas milionárias e se beneficiariam de desmatamentos irregulares.

Quando não pecam por fisiologismo, pecam por inação ou omissão. O repórter José Casado acaba de mostrar o impressionante estado de inércia e quase falência em que se encontra o Congresso, que, como disse o deputado Miro Teixeira, tomou "a decisão de não decidir", pois não consegue votar os cerca de 30 mil projetos de lei que se encontram à espera de apreciação. Para isso, necessitaria de um século, com os parlamentares trancados votando sem cessar. Só de contas presidenciais há atrasos de até 21 anos, como as do governo Collor. O ex-presidente sofreu impeachment, caiu no ostracismo, candidatou-se sem sucesso ao governo de Alagoas, foi eleito para o Senado, e suas contas continuam aguardando aprovação.

Tem razão o senador Itamar Franco, ao confessar: "Nós estamos nos desmoralizando. Se continuarmos com esse processo de aviltamento do Legislativo, todos sabem o que acontece." O mais grave é que, se acontecesse o pior, não se daria pela falta, o que seria péssimo para a democracia.

FONTE: O GLOBO

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