O anúncio da Casa Branca de que os partidos Republicano e Democrata estariam próximos a um acordo preliminar sobre cortes de 1,5 trilhão de dólares no orçamento, o que abriria caminho para que o Congresso aprove o aumento do teto da dívida dos Estados Unidos, não foi surpresa para ninguém, pois havia uma expectativa generalizada, entre os agentes financeiros e os governos, de que, em algum momento antes do dia 2 de agosto, as partes chegariam a um acordo que evitaria o calote.
Embora não tenha sido concluído, o provável acordo trouxe alívio aos mercados internacionais, pois a polarização entre os dois partidos no Congresso, especialmente devido à proximidade da disputa pela reeleição de Barack Obama, está levando o embate político a níveis insuspeitados, o que ainda provoca certo temor.
O governo chinês, um dos maiores compradores de bônus do Tesouro americano, por exemplo, já advertira que os parlamentares americanos estavam "brincando com fogo".
E ontem pediu que o governo dos Estados Unidos tome providências para garantir a segurança de seus credores.
O governo brasileiro, o quarto maior detentor de bônus americanos, estava equivocadamente comemorando a melhoria do risco brasileiro em decorrência da deterioração das expectativas em relação aos Estados Unidos.
O economista Paulo Vieira da Cunha, ex-diretor do Banco Central e que hoje trabalha no mercado financeiro em Nova York, lembra que, se não acontecer um acordo - que ainda precisa ser detalhado -, o inacreditável, do ponto de vista político, é que o governo deixaria de pagar os cheques das aposentadorias, entre outras coisas, mas teria que continuar negociando a dívida.
"Obviamente, seria um desastre político, tão grande que nenhum dos partidos ousaria arriscar."
A radicalização das posições aconteceu, em parte, porque o presidente Barack Obama tardou muito a entrar diretamente na negociação, considerando a composição das duas Casas do Congresso e as várias facções dos dois partidos.
O debate da dívida acabou antecipando o debate da eleição de 2012, e aí a solução ficou mais difícil. Atualmente o presidente Obama tem mais que 50% das preferências do eleitorado americano, e, entre os possíveis candidatos dos republicanos, quem tem mais apoio é a líder do Tea Party (ala mais conservadora do partido) Michele Bachmann, que tem por volta de 20% do eleitorado.
O Partido Republicano está dividido, e isso ajuda Obama, que já começou a recolher doações pela internet com absoluto sucesso.
Mas, segundo especialistas, a modelagem do orçamento e da dívida demonstra que não há uma solução matemática sem uma combinação de corte de custos e aumento de impostos, e não está claro ainda se os republicanos aceitarão o aumento de impostos para os ricos.
As agências de risco são irrelevantes, nesta altura do campeonato, assim a ameaça da agência Moody"s teve apenas a função de lembrar aos políticos que o prazo deles estava acabando.
O rebaixamento para "negativa" da perspectiva de classificação dos Estados Unidos pela agência de riscos Standard & Poors, no início do ano, embora mantendo a nota de AAA na dívida soberana da ainda maior economia do mundo, já fora um chamado mais para o lado político, já que, como agora a Moody"s, alertava para a total falência do sistema de governo se não se chegasse a um acordo, pondo em questionamento os EUA como nação coerente e responsável.
A consequência poderia ser a perda de confiança no bônus do Tesouro americano e a incapacidade do governo de se financiar, mesmo pondo papéis atrelados à inflação que porventura surgisse como efeito da desconfiança do mercado.
A dificuldade para se chegar a um acordo sobre os cortes de U$1,5 trilhão é que o custo futuro e já contratado dos compromissos sociais levará o déficit em 2021 para 6,6% do PIB, com receitas de 18,5% e gastos de 25,1% do PIB, segundo o Escritório de Orçamento do Congresso.
A perspectiva mostra-se mais complicada ainda pela quase certeza de que nas próximas décadas o dólar deixará de ser a moeda de reserva - mesmo havendo ajuste fiscal.
O historiador Niall Ferguson, no auge da crise financeira em 2008, via se aproximando o fim da era em que o dólar era a única moeda de reserva internacional.
Ele lembrou a semelhança entre a crise da libra inglesa e a do dólar hoje, provocadas pelas mesmas razões: "A principal razão foram as grandes dívidas que a Inglaterra fez para financiar suas guerras pelo mundo. E a segunda razão foi a desaceleração do crescimento da economia nas décadas do pós-guerra."
Mas o processo da transição da hegemonia da Inglaterra para os Estados Unidos levou décadas, e houve a concorrência entre a libra e o dólar como moedas de reserva por quase 60 anos.
No momento, não há uma moeda que possa se contrapor ao dólar, apesar de toda a crise dos Estados Unidos.
O euro está ameaçado até mesmo na sua permanência como moeda da União Europeia, diante das crises de países como Grécia, Portugal, Espanha. E os países emergentes ainda não atingiram o ponto de ser uma alternativa.
Portanto, o melhor que pode acontecer é que os partidos políticos americanos cheguem a um acordo, e o governo dos Estados Unidos possa dar ao mundo a garantia de que há uma perspectiva de longo prazo para a solução da dívida, com a retomada do crescimento econômico.
FONTE: O GLOBO
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