Com oito volumes, 4.032 páginas e um total de 650 verbetes - alguns assinados por estudiosos brasileiros -, chega ao País a International Encyclopedia of Political Science
Ivan Marsiglia
As consequências do deslocamento de populações no mundo pós-globalização, a crise dos partidos tradicionais e as novas formas de representação política, a financeirização da economia e o crescente poder dos bancos centrais, o terrorismo e o tema da segurança global, os direitos dos povos indígenas e a internacionalização do movimento ambientalista. Essas são algumas das questões contemporâneas sintetizadas na International Encyclopedia of Political Science (importada, US$ 990), que será lançada dia 6 de fevereiro em um painel na Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo.
Obras congêneres, como o clássico Dicionário de Política, editado em 1983 por Norberto Bobbio, Nicola Matteucci e Gianfranco Pasquino, que a Editora Universidade de Brasília traduziu para o português, The Blackwell Encyclopedia of Political Science (1987), de Vernon Bogdanor, e a The Blackwell Encyclopedia of Political Thought (1991), de David Miller, refletem um outro momento da ciência política como disciplina, em que ela tentava afirmar sua singularidade em relação aos estudos políticos de viés sociológico. De lá para cá, a ciência política avançou não só na incorporação de métodos de análise quantitativa e estatística, como na sofisticação de suas abordagens de política comparada.
A própria forma como a nova enciclopédia - com oito volumes, 4.032 páginas e 650 verbetes, que também podem ser adquiridos na versão online - foi produzida pela Associação Internacional de Ciência Política (a Ipsa, na sigla em inglês) demonstra esse esforço de universalidade e abrangência. Única instituição acadêmica efetivamente global na área, a Ipsa baseou o conteúdo da obra na produção acadêmica dos membros dos 53 comitês de pesquisa que coordena no mundo todo. Por uma questão de representatividade, cada comitê é obrigatoriamente integrado por pesquisadores de cinco países e três continentes.
"Diferentemente de livros de referência já conhecidos, que contam com contribuições predominantemente de cientistas do Atlântico Norte, os editores optaram por outro desenho", explica a atual presidente da Ipsa, a brasileira Lourdes Sola, que retomou o projeto idealizado por seu antecessor, o politólogo alemão Max Kaase.
"Há nos últimos anos uma produção de conhecimento importante fora da Europa e dos Estados Unidos, especialmente na América Latina", acrescenta o cientista político italiano Leonardo Morlino, que editou a enciclopédia a seis mãos, ao lado do francês Bertrand Badie e do alemão Dirk Berg-Schlosser, todos intelectuais de projeção internacional. "Fizemos uma escolha chave ao conceber a obra: abrir espaço para as diversas tradições da ciência política, do Leste e do Sul, além de Oeste e Norte."
Entre os brasileiros que escreveram verbetes para a enciclopédia, além da própria Lourdes Sola estão José Álvaro Moisés, diretor do Núcleo de Pesquisa de Políticas Públicas da USP, Jairo Nicolau, professor visitante da UERJ, e Bernardo Sorj, professor titular de Sociologia da UFRJ (este último, nascido no Uruguai, no entanto radicado no Brasil).
Para José Álvaro Moisés, autor de um texto sobre "cultura cívica", a contribuição de acadêmicos da África, América Latina e Oriente Médio garante algumas das entradas mais interessantes da enciclopédia: "Nelas, pode-se conhecer melhor o pensamento político africano, a relação entre bipolaridade e multipolaridade na política internacional hoje, as perspectivas chinesas sobre a democracia, os regimes híbridos ou semiautoritários, a relação entre responsividade (responsiveness) e as diferentes modalidades de responsabilização de autoridades públicas (accountability), por exemplo".
Já na opinião da presidente da Ipsa, autora do verbete sobre o novo papel dos bancos centrais na política, "o mundo mudou muito e uma enciclopédia excelente como a de Bobbio responde a uma problemática na qual a globalização e seus impactos não estavam elaborados conceitualmente".
À exceção do processo político na Espanha pós-franco, os experimentos de democratização eram ainda incipientes no início dos anos 80. Mudanças de regime político na América Latina, na Europa central e do Leste apenas começavam, assim como os estudos em política comparada na área.
"Não apenas pelo número de páginas (o dicionário de Bobbio tinha 1315), a enciclopédia diferencia-se de obras anteriores pelo detalhamento dos conceitos", completa o editor Berg-Schlosser, que comemorava, na última sexta, a menção honrosa recebida pelo trabalho no Dartmouth Medal, um dos prêmios mais importantes do mundo na área de livros de referência.
Já a terminologia decorrente das transformações que vimos no mundo árabe ou nos protestos que ocuparam o berço do capitalismo financeiro em Nova York ainda está por ser escrita - e incluída, quem sabe, em uma versão revista e ampliada da enciclopédia (os verbetes foram concluídos em agosto de 2010). Afinal, o mundo não para e é preciso decifrá-lo constantemente. Ou, como escreveu, já em 1513, Nicolau Maquiavel, pai da ciência política moderna: "Os homens em geral formam suas opiniões guiando-se antes pela vista do que pelo tato, pois todos sabem ver, mas poucos sentir. Cada qual vê o que parecemos ser, poucos sentem o que realmente somos".
BANCOS CENTRAIS, por Lourdes Sola
"Como regra geral, bancos centrais são regulados por um mandato de governo(s) (...) Um levantamento atualizado dos BCs existentes mostra maior variação que a suposta nas teorias de expectativas racionais dominantes que moldam as prescrições universalistas e os modelos de papel recomendados nos últimos 30 anos. A influência é perceptível em duas tendências globais: convergência para o primado da estabilidade de preços e (...) aumento dramático do número de instituições que adquiriram independência estatutária de governos"
CULTURA CÍVICA, José Álvaro Moisés
"A democracia não pode cumprir suas promessas se não houver democratas (...) Como um sistema de e para o povo, mas não diretamente pelo povo, ela requer envolvimento público, participação política e responsabilização vertical, horizontal e social"
DESCENTRALIZAÇÃO, Leonardo Morlino
"Se o governo está mais perto das pessoas, a comunicação entre os cidadãos e seus representantes deve ser mais eficaz e as preferências individuais devem ter mais chances de ser consideradas"
Traduções: Celso Paciornik
INTERNATIONAL ENCYCLOPEDIA OF POLITICAL SCIENCE
Editores: Bertrand Badie, Dirk Berg-Schlosser e Leonardo Morlino
Editora: Sage em associação com Ipsa
(Importado, 4.032 págs, US$ 990 - preço de lançamento da versão impressa)
FONTE: O ESTADO DE S. PAULO
Nenhum comentário:
Postar um comentário