No episódio ocorrido na comunidade Pinheirinho, é possível notar a evidente congruência de determinados fatores.
São eles: a ocupação e a permanência ilegais em uma área privada; a absoluta inércia de ministérios e secretarias estaduais e municipais vinculadas à habitação; e, ainda, uma decisão judicial mal conduzida pelas autoridades policiais e administrativas.
Com relação à ocupação de uma propriedade privada, só é possível solicitar o usucapião no caso de a posse ter acontecido pacificamente, ou seja, sem nenhuma manifestações do proprietário ao longo dos cinco anos previstos para a modalidade urbana desse instituto legal.
Contudo, o proprietário moveu a ação de reintegração de posse no devido tempo, mas o processo tramitou com lentidão. Tal situação não configura posse pacífica e lícita dos invasores.
É necessário verificar que os ocupantes, até onde foi noticiado, não recolhem impostos como o IPTU ou as taxas da prefeitura. Energia elétrica e água são desviadas da rede oficial. Logo, é presumível que os membros da comunidade soubessem das ilegalidades cometidas desde a fixação de suas moradias.
Ao longo dos oito anos de ocupação, cerca de 70 famílias residentes fizeram inscrições para planos de habitação popular. As demais, não.
Tendo em vista o fato de que o Estado deve agir preventivamente, não esperando que os problemas sociais se transformem em emergências socais, é lógico aferir a incompetência omissiva diante do quadro.
O direito à propriedade é um direito tão antigo quanto o direito à dignidade da pessoa humana na maior parte das constituições ocidentais. Como princípios constitucionais que são, inexiste uma hierarquia científica entre eles ou os demais princípios.
Cabe aos interpretes primários das normas (ou seja, procuradores, promotores, juízes e advogados) acharem a justa medida quando tais princípios entram em colisão.
Por mais que a legislação tenha que ser seguida em nome da ordem geral de uma nação, a parte mais importante do processo em si é a forma de concretizar a interpretação do direito e da Justiça.
No Pinheirinho, diante da omissão do Estado como um todo em agir -fosse construindo casas populares, fosse adquirindo e pagando pela área-, a decisão de desocupação foi embasada na Carta Magna e nas normas infraconstitucionais vigentes e aceitas no país.
Infelizmente, a concretização da decisão não foi conduzida de acordo com as mesmas normas. Seria preciso determinar quais os abrigos receberiam os retirados e conceder aos mesmos tempo suficiente para reunir os seus pertences.
O que não se deve confundir é a maneira equivocada de conduzir a desocupação com um ato desprovido de embasamento jurídico.
A retirada de invasores de uma propriedade adquirida honestamente e pela qual se paga tributos ao Estado é um ato lícito e voltado à boa observância da ordem.
Por isso, o Supremo Tribunal Federal decidiu manter a desocupação. O que precisa ser corrigido é forma de aplicar o direito adquirido.
O que todo cidadão de bem deseja é que a sociedade em que vive ofereça estabilidade na manutenção das regras a serem observadas por todos, sem favorecimentos ou discriminações. Quem tem consciência de estar vivendo ilegalmente sabe que um dia isso será cobrado. Tomara que de agora em diante com mais dignidade e prevenção.
João Antonio Wiegerinck, 45, é advogado, especialista do Instituto Millenium e professor da Escola Paulista de Direito
FONTE: FOLHA DE S. PAULO
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