Minutos depois de ser empossado, em 27 março de 2006, no Ministério da Fazenda, Guido Mantega ligou para o secretário-executivo da Pasta, Murilo Portugal. Queria conversar sobre o posto que assumiria. "Não tenho o que conversar porque estou demissionário", disse-lhe Portugal que, até aquele momento, havia sido o segundo de Antonio Palocci no ministério.
Ao desligar, Mantega relatou o telefonema sem esconder a contrariedade, compartilhada pelos colegas de governo que estavam ao seu lado. Entre eles, a então ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff.
Mantega continua no mesmo lugar e Portugal virou presidente do sindicato dos bancos. A trombada pública aconteceu ontem, quando Mantega subiu o tom para reagir às condições do sistema financeiro para a redução do spread, mas a rota de colisão começou a ser traçada cinco anos atrás, quando Dilma Rousseff ajudaria a remontar a equipe econômica do governo Luiz Inácio Lula da Silva depois da saída de Palocci.
A crise de 2008 imbicaria novamente a curva de juros para cima, reduzindo a marcha da colisão no segundo mandato de Luiz Inácio Lula da Silva.
Com a posse de Dilma, porém, a rota estava traçada e foi publicamente exposta pela presidente da República: a política monetária é a vantagem comparativa do Brasil num mundo que já derrubou os juros e ainda não tirou o pé da lama.
A curva descendente do Copom, a redução dos juros cobrados pelos bancos públicos e a subida de tom do ministro da Fazenda, Guido Mantega, com a Febraban são apenas a confirmação do norte perseguido por Dilma Rousseff desde que começou a ter ingerência para além dos megawatts.
O que só agora começa a ganhar contornos claros é que a presidente, frequentemente criticada por inabilidade, monta uma ampla aliança política para isolar o sistema financeiro na guerra do spread.
Essa aliança passa pela recuperação do poder dos Estados com a troca do indexador de suas dívidas e o afrouxamento das condições em que incentivos tributários estaduais podem vir a ser concedidos. É a reversão de um processo iniciado duas décadas atrás com a implantação do Real.
Para conter a explosão de demandas - e de sua face monetária, a inflação - trazida pela Constituição de 1988, a estabilidade da economia neutralizou a política.
O país vinha do trauma do impeachment, que abortou o mandato de Fernando Collor, o único governador de Estado eleito para a Presidência da República desde a redemocratização.
Foi aquela crise política que abriu caminho para um plano de estabilidade monetária que esvaziou a federação. Teve como pressupostos o Fundo de Estabilização Financeira (FEF), que daria origem à DRU e canalizaria recursos de Estados e municípios para o Tesouro nacional, a Lei de Responsabilidade Fiscal, o acordo da dívida e a privatização dos bancos estaduais.
Com os cofres esvaziados, dívidas a pagar, limites rígidos para contrair novas e proibidos de usar recursos fiscais para atrair empresas, os Estados foram desprovidos de poder político na mesma velocidade em que cresceu sua dependência da União.
A subversão dessa ordem não está em jogo e tampouco se corre o risco de as finanças estaduais voltarem a ser a casa da mãe joana. Até porque o governo federal não parece estar interessado em abrir mão da concentração de recursos políticos e fiscais gerada pelo esvaziamento dos Estados.
O que está em curso, com a discussão da troca do indexador das dívidas estaduais e municipais e o afrouxamento das condições em que incentivos tributários podem ser concedidos pelos Estados, é a recuperação dos governadores como atores políticos capazes de engrossar o setor produtivo no cabo de guerra com o sistema financeiro.
Reabilitados no seu poder de conceder incentivos e investir na infraestrutura de seus Estados, os governadores podem voltar a ser interlocutores das federações industriais e sindicatos que ao longo dos últimos anos têm batido um bumbo surdo na toada do desenvolvimento.
A aliança é reforçada também pela posse em julho do primeiro presidente bancário da história da CUT. Em entrevista a Raphael Di Cunto, publicada hoje no Valor, Wagner Freitas diz que a investida contra o spread bancário será a principal bandeira da entidade sob sua presidência.
Até o senador Aécio Neves (PSDB-MG), principal liderança do partido que operou a lógica da federação subordinada, hoje diz que a União virou rentista dos Estados e reclama de juros superiores àqueles pagos pelas empresas ao BNDES.
Pelo teor das propostas feitas pelo sindicato dos bancos, está claro que esta é uma guerra que requer aliados até da oposição. Entre as condições para que o spread seja reduzido há muitas que dependem do Congresso e outras tantas que enfrentariam infinitas batalhas judiciais, como a exigência de que a previdência complementar dos correntistas entre como garantia do crédito.
Muitas dessas garantias são de difícil execução e os bancos sinalizam que, sem elas, não há redução de spread à vista. Enquanto isso, como os juros efetivamente já estão caindo, não é difícil para o governo convencer a opinião pública de que a diferença entre o custo de captação e o de empréstimo vai para um bolso que não é o do correntista.
Vitor Belous, leitor do blog Casa das Caldeiras (www.valoronline.com.br), é um exemplo do campo fértil para o discurso do governo. O leitor comenta a alegação de inadimplência para a formação do spread: "As instituições emprestam mais do que a renda mensal do cliente comporta, ultrapassando 30% do comprometimento mensal do tomador. Os bancos pregam em seus informes publicitários o uso consciente do crédito, mas a realidade dentro das agências é outra, bater metas".
Dilma, com os aliados que tem, é bem-sucedida na imagem de que combate a corrupção. É de se supor que também seja capaz de angariar apoio da opinião pública ao isolar quem pinta de vermelho as contas correntes. Na pior das hipóteses, já conseguiu que a banca, agora, se disponha a conversar.
FONTE: VALOR ECONÔMICO
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