Entre a linguagem da senhora presidente da República no final de 2011 e a atual, em relação à situação do Brasil em face da crise europeia, verifica-se sensível mudança, mas não é meu propósito apontar contradições entre o que se dizia então, da absoluta imunidade do Brasil aos efeitos da crise externa, e o que se reconhece agora; o triunfalismo de então cedeu espaço a apreciação menos arrogante na qualificação do quadro. Da primeira revelação das nossas dificuldades reais com a divulgação do fenômeno da desindustrialização de importante setor industrial à situação atual vai inegável distância. Basta dizer que na primeira página de grande jornal se vê esta notícia: "Dados do Ministério do Trabalho apontam queda no ritmo de abertura de novas vagas no país. Foram geradas 858 mil no primeiro semestre, 407 mil a menos do que em igual período de 2011. Saldo entre admissões e demissões foi de 68 mil, recuo ao patamar de 2008, ano da quebra de bancos nos EUA". E em duas páginas do seu caderno de economia, o assunto é objeto de análise variada, concluindo que "o impacto da crise econômica atinge até a construção civil".
Não digo tratar-se de uma catástrofe, mas também não posso dizer se trate de situação irrelevante ou mesmo cômoda. Também não quero salientar o óbvio aludindo ao poder de multiplicação que o fato traz em si. Mas me parece que a senhora presidente reconhece que os pontos congestionados aumentam, enquanto as medidas adotadas continuam pontuais e tímidas, limitadas às áreas atingidas, como se o problema não demonstrasse sua crescente amplitude. Com efeito, até agora o caso vem sendo tratado sem a dimensão que ele passou a ter.
Há outro dado que pode parecer estranho ao problema, mas que tem relação com ele. É que a senhora presidente começa a ocupar-se de questões eleitorais em São Paulo e Belo Horizonte, do interesse de seu partido. Ora, isto é pouco compatível com o caráter nacional de sua investidura. Ao demais, entrar nesse cipoal é fácil, mas sair dele pode custar muito e essas coisas mudam como as nuvens. Tenho evitado e pretendo continuar evitando esses assuntos, salvo quando o interesse nacional o envolva, por isso entendi de comentar o fato que, a meu juízo, não é apenas paroquial, especialmente em suas consequências.
Não resisto a registrar um fato que me parece expressivo. A Folha de S. Paulo, no alto da primeira página, edição de 26 de julho, estampa a visita da presidente brasileira ao primeiro-ministro David Cameron na Downing Street 10 e, imediatamente abaixo, esta notícia: "PIB britânico cai 0,7% e agrava o quadro recessivo. A dois dias do início da Olimpíada, o Reino Unido anunciou a maior contração de seu PIB, desde 2009. A economia recuou 0,7% de abril a junho, em relação aos três meses anteriores, intensificando o quadro recessivo. Analistas não esperavam resultado tão ruim para a terceira maior economia europeia", e a matéria prossegue em página posterior.
A despeito de um quadro nada confortável, "o maior recuo em três anos", o chefe do governo britânico teve um comportamento de chefe de governo, sem lamúrias nem soluços, pois o PIB não tem vida própria, ele apenas reflete a situação real da economia do país em certo momento, como o termômetro marca a normalidade ou a febre da pessoa. Se a economia nacional está estagnada, o PIB não pode crescer. Precisar as causas e eleger as soluções, para superar a estagnação, este o problema.
Quando se viaja, sempre se aprende alguma coisa, mesmo quando menos se espera...
*Jurista, ministro aposentado do STF
FONTE: ZERO HORA (RS)
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