O debate sobre a permanência ou não do tripé macroeconômico herdado do segundo mandato de FHC é irrelevante, pois os objetivos para os quais foi desenhado — estabilização e redução da taxa de inflação e da relação dívida pública/PIB — foram obtidos e consolidados nos últimos 10 anos. O desafio agora consiste em desenhar novo modelo capaz de assegurar taxa de crescimento robusta e sustentável do PIB e o crescimento dos salários reais a nível aproximadamente igual ao da produtividade do trabalho.
O tripé, vivo ou morto, não foi desenhado para esse fim. O governo da presidente Dilma Rouseff ainda não apresentou nenhuma proposta consistente para novo modelo. A política econômica do governo parece ser conduzida de forma amadora e casuística, com medidas sendo implementadas ao sabor dos acontecimentos, sem estarem inseridas no bojo de um regime macroeconômico claro e consistente.
Um modelo macroeconômico consistente precisa assegurar a obtenção simultânea dos seguintes objetivos: crescimento robusto do PIB, taxa real de câmbio competitiva, taxa de inflação baixa e estável, equilíbrio das finanças públicas e crescimento dos salários reais em linha com a produtividade do trabalho. Para obter esses objetivos, propomos a adoção de quadripé macroeconômico composto pelas políticas fiscal, monetária, cambial e salarial.
A política fiscal deve ser pautada não mais pela meta de superavit primário, mas pela meta de superavit em conta-corrente do governo. O saldo em conta-corrente do governo é definido como a diferença entre a arrecadação e os gastos correntes, o que inclui o pagamento de juros sobre a dívida pública, mas exclui os gastos com investimento. Grosso modo é o equivalente a poupança do governo. No Brasil atual o saldo em conta-corrente é negativo em torno de 1,5% do PIB (resultado de um superavit primário de 2% do PIB, investimento de 2% do PIB e juros iguais a 5,5% do PIB).
Isso significa que a poupança é negativa em 1,5% do PIB, o que explica, em parte, o nível baixo do investimento público. Para acelerar a taxa de crescimento, é fundamental que o governo aumente os investimentos públicos na área de infraestrutura, o que demanda aumento considerável da poupança pública. Dessa forma, sugerimos a adoção de metas crescentes de superavit em conta-corrente do governo. A título de exemplo, o governo poderia adotar uma meta de 0,5% do PIB em 2014 e aumentá-la gradualmente em 0,5% do PIB até alcançar 5% do PIB em 2023.
Deve-se ressaltar que esse processo de aumento progressivo não implica necessariamente contração fiscal caso venha acompanhado de aumento proporcional do investimento público. Nesse caso, o governo estará mudando apenas a composição do gasto público (menos consumo e mais investimento), não a sua magnitude.
Na política monetária, deve-se abandonar de vez o regime de metas de inflação e substituí-lo por regime de mandato duplo a exemplo do FED nos Estados Unidos. Nesse caso, a política monetária terá como objetivo a obtenção de taxa robusta de crescimento do PIB e taxa de inflação baixa e estável (em torno de 4% ao ano). Para evitar influência do ciclo político-eleitoral, a mudança do regime monetário deve ser acompanhada pela concessão formal (ou seja, em lei) de autonomia operacional para o Banco Central.
A política cambial, conduzida pelo Banco Central, deverá manter a taxa real de câmbio a nível competitivo a médio e longo prazo. Para tanto, o Banco Central terá total autonomia para introduzir ou remover controles à entrada e saída de capitais do país. Os controles de capitais, somados às operações de compra e venda esterelizadas de reservas internacionais, permitirão que a autoridade monetária controle juros e câmbio simultaneamente, contornando os problemas citados no teorema da impossibilidade de Mundell.
Por fim, a política salarial tem de ter como meta a fixação da taxa de crescimento dos salários nominais a taxa igual à meta de inflação (definida pelo CMN) e ao ritmo de crescimento da produtividade do trabalho. Dessa forma, a política salarial será importante reforço no controle da taxa de inflação e na obtenção de taxa de câmbio competitiva a médio e longo prazo.
Professor do departamento de economia da Universidade de Brasília e vice-presidente da Associação Keynesiana Brasileira
Fonte: Correio Braziliense
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