Movimento Passe Livre promete ocupar hoje as avenidas de pelo menos 16 cidades para pedir tarifa zero e melhorias no transporte. Ipea revela que brasileiro perde, em média, 41 minutos para chegar ao trabalho nas capitais
Andre Shalders, Paulo de Tarso Lyra e Daniela Garcia
Quatro meses depois das manifestações que começaram com um protesto contra aumento de tarifas no Rio e em São Paulo, os integrantes do Movimento Passe Livre (MPL) voltam às ruas hoje na capital paulista e em outras 15 cidades para pedir a tarifa zero universal e melhoria no transporte. Pesquisa realizada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) mostra que os brasileiros dos grandes municípios levam, em média, quase 41 minutos para chegar ao trabalho. O mesmo levantamento aponta que, quanto mais humilde a parcela da população, mais aumenta o drama. Entre as pessoas com renda per capita de meio a um salário mínimo, 17% passam pelo menos uma hora no deslocamento casa–trabalho. Essa proporção é seis pontos percentuais superior à registrada nas famílias mais ricas (acima de cinco salários mínimos).
Apesar de o problema persistir, o governo federal garante que fez sua parte. Durante a solenidade comemorativa pela sanção do Mais Médicos, a presidente Dilma Rousseff lembrou que a cerimônia era realizada exatos 120 dias depois do pronunciamento feito por ela, em cadeia de rádio e televisão, para firmar os cinco pactos de ação com governadores e prefeitos. “Esses pactos respondiam às demandas dos movimentos de junho, e convergiam com aquilo que o governo considerava que eram as grandes questões que precisavam urgentemente de atenção do país. E eu queria, primeiro, dizer para vocês que, nesses exatos quatro meses, o que propomos vem se tornando progressivamente realidade”, afirmou a presidente.
Dilma repetiu a tese ontem durante entrevista à Rádio Itatiaia, de Minas Gerais. “A presidente Dilma concatenou com perfeição essa semana. Em dois momentos, disse que o governo vem se empenhando para implementar os cinco pontos prometidos à população. E hoje, estará em São Paulo para anunciar novas medidas”, afirma o líder do governo na Câmara, Arlindo Chinaglia (PT-SP). Ao lado do prefeito Fernando Haddad, Dilma anunciará recursos do PAC da Mobilidade Urbana para o metrô paulistano.
Com base na pesquisa do Ipea, é preciso de fato muito investimento. O tempo médio gasto para chegar ao trabalho pelos habitantes das regiões metropolitanas atingiu 40 minutos e 48 segundos — a média, no Brasil, é 30 minutos e 12 segundos. As capitais do Norte e Nordeste foram as que mais pioraram nas condições de tráfego. Belém, Salvador e Recife apresentaram, entre 1992 e 2012, taxas de crescimento do tempo de viagem de 35%, 27,1% e 17,8%, respectivamente.
Por isso, os manifestantes voltam às ruas hoje. O Movimento Passe Livre organizou, ao longo desta semana, uma jornada de atividades em todo o país, com protestos marcados para o fim da tarde de hoje em Natal, São Luís, São Paulo, Brasília e Joinville (SC). Os protestos mais intensos são esperados na capital paulista, onde o movimento vem realizando atos ao longo da semana. “O evento do protesto no Facebook já tem 6 mil pessoas confirmadas, mas isso é imprevisível. Como estamos fazendo mobilizações durante toda a semana em várias cidades, a expectativa é de um ato grande”, afirma a militante Monique Félix, de 27 anos. A concentração para o protesto começa às 17h, no Theatro Municipal, no centro. “Tudo o que se conquistou aqui na cidade é resultado das manifestações. Além da revogação do aumento, tivemos a criação dos corredores exclusivos para os ônibus”, enumera ela. A luta pela revogação do aumento nas passagens de ônibus, em São Paulo e em outras cidades, foi o estopim das manifestações de junho. Na noite de ontem, o MPL realizou protestos em Florianópolis, São José dos Campos (SP), Vitória e em Campo Limpo, na grande São Paulo.
Em Brasília
Além da tarifa zero, o protesto de Brasília também levará pautas locais para a rua. “Também estamos reivindicando o transporte público 24 horas e a participação da população na gestão do sistema”, diz o cinegrafista Clede Pereira, de 20 anos. A concentração para a manifestação começa às 17h, na Rodoviária do Plano Piloto. Alguns dos atos do movimento ao longo da semana terminaram em conflitos entre a polícia e os manifestantes. Na Zona Sul de São Paulo, o protesto de quarta-feira resultou na prisão de 22 das 400 pessoas que participaram da protesto, segundo a PM de São Paulo.
De acordo com a polícia, uma agência bancária, uma banca de jornais e um veículo acabaram depredados. Para o MPL, foram os policiais que começaram o quebra-quebra. “A polícia agiu antes que qualquer um fizesse qualquer coisa. Eles usam a depredação e os confrontos como pretexto para acabar com uma manifestação que poderia ter sido pacífica”, diz o estudante Mateus Hotimsky, de 19 anos, que participou do ato. No mesmo dia, também houve violência no protesto do MPL no Recife, quando um ônibus foi incendiado.
Projeto parado
Depois do impulso inicial em junho, os projetos sobre transporte público avançam a passos lentos no Congresso. Logo após os protestos, o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), lançou um projeto que cria o passe livre estudantil em âmbito nacional. Pela proposta, o benefício seria custeado com os royalties da exploração de petróleo na camada pré-sal. A proposta veio em um momento em que o PMDB, incomodado com a pressão feita pela presidente Dilma Rousseff em relação à reforma política, queria passar uma imagem positiva para cobrar o Planalto e cacifar-se perante a opinião pública.
Mesmo com o componente político e tramitando em regime de urgência, a proposta continua parada na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), onde aguarda, desde o começo de agosto, o parecer do relator Vital do Rêgo (PMDB-PB). Na Câmara, um projeto com o mesmo objetivo, de autoria do ex-deputado Paulo Tadeu aguarda parecer na Comissão de Educação. A Casa também analisa a PEC 90/2013, de autoria da deputada Luiza Erundina (PSB-SP), que pretende elencar o transporte entre os direitos sociais previstos na Constituição Federal. (AS e PTL)
Estudo
O Ipea divulgou ontem um levantamento sobre a mobilidade urbana no país. Confira alguns dados:
40 minutos e 48 segundos. Tempo médio que o brasileiro que vive em grandes cidades gasta para ir de casa até o trabalho. Em 1992, o índice estava em 36 minutos e 24 segundos.
18,6%. Percentual da população das grandes cidades que gasta mais de uma hora para chegar no serviço. Em 1992, 14,6% dos moradores das áreas metropolitanas perdiam mais de 60 minutos no deslocamento.
Cronologia
Março
Os primeiros protestos começaram no dia 27 contra o aumento de tarifa em Porto Alegre. Três dias depois, 50 estudantes protestam contra o aumento de tarifa em Manaus
Maio
Depois de um mês de tranquilidade, os protestos recomeçaram, principalmente em Goiânia. No dia 8, 200 pessoas protestaram contra o aumento de tarifas. No dia 16, esse número cresceu para mil. Três dias depois, o MPL organizou um protesto durante a virada cultural em São Paulo. No dia 20, um atraso de ônibus gera quebra-quebra em Goiânia. No dia 28, o MPL organiza uma vigília em frente à Prefeitura de São Paulo.
Junho
É o ápice dos protestos. Logo no dia 3, estudantes protestaram contra aumento de tarifa em São Paulo e no Rio de Janeiro. No dia 6, cinco mil pessoas fecham a Avenida Paulista contra nova tarifa. No Rio, no dia 13 (foto), protesto leva a confronto com a Polícia Militar. O primeiro momento de nacionalização dos protestos ocorre no dia 17, quando mais de 270 mil protestam em 30 cidades. No dia seguinte, cerca de 110 mil pessoas protestam em pelo menos 40 cidades. A prefeitura de São Paulo é depredada em protesto. Em outras 30 cidades, 140 mil pessoas vão às ruas. O ponto máximo das manifestações acontece em 20 de junho. Atos reúnem 1,4 milhão de pessoas em mais de 130 cidades. Em Ribeirão Preto (SP), homem atropela e mata manifestante. Em Belém (PA), gari atingida por gás morre após protesto. No dia seguinte, 160 mil pessoas protestam em quase 90 cidades. No dia 26, em Belo Horizonte, 50 mil pessoas protestam antes da semifinal da Copa das Confederações entre Brasil e Uruguai. Um manifestante morre. No dia 30, data da final da Copa das Confederações entre Brasil e Espanha, cerca de 9 mil protestam em 18 cidades, incluindo o Rio de Janeiro, palco da final.
Fonte: Correio Braziliense
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