O intenso uso dos recursos do petróleo para assistencialismo interno e, externamente, para a montagem de um antiimperialismo radical (com generosos subsídios à Cuba, à Bolívia, à Nicarágua, à Argentina dos Kirchners, ao Paraguai de Fernando Lugo). Uso combinado com o progressivo controle do Judiciário, do rádio e da televisão e o cerco à imprensa escrita, de par com a depuração das Forças Armadas e a montagem de “brigadas populares” semelhantes aos ‘conselhos de moradores’ das cidades cubanas. Além da cooptação de parte do empresariado por meio de negócios rentáveis para os chamados “boliburgueses”. Tal receita do “Socialismo do século 21”, posta em prática a partir do primeiro dos três mandatos presidenciais de Hugo Chá-vez, pareceu tão poderosa e duradoura à oposição que a maioria dos seus dirigentes decidiu, anos atrás, não participar de eleições para o Legislativo. O que facilitou a plena subordinação do Congresso ao chavismo.
Esse “irresistível” sistema “revolucionário”, porém, começou a ser erodido ainda com Hugo Chávez vivo, e no comando, por crescente descontrole da inflação, pela escassez da oferta de alimentos e bens de consumo essenciais (inclusive papel higiênico), por um salto da criminalidade, pela sucessão de apagões elétricos. Distorções em boa parte geradas e agravadas pela queda da produção e da receita do petróleo, decorrente da defasagem tecnológica e do mau gerenciamento da PDVSA, após a depuração dos seus quadros. Queda articulada com a fragilização da agricultura, da indústria e do comércio, submetidos ao intervencionismo estatal.
Os reflexos políticos dessa erosão já se manifestaram na recomposição das forças oposicionistas em torno da campanha de Enrique Capriles, no início deste ano. Cuja candidatura – mesmo enfrentando todo tipo de ameaças e restrições, entre as quais a de quase nenhum espaço na mídia – suplantou a de Nicolás Maduro nos grandes centros urbanos, numa disputa apertadíssima decidida em favor do governista por uma justiça eleitoral dominada pelo chavismo, que rejeitou uma verdadeira recontagem dos votos. Manipulação que será mais difícil de repetir-se nas eleições legislativas do primeiro trimestre de 2014. Num contexto de piora das condições da economia, na qual se insere reportagem da Folha de S. Paulo, de anteontem, com o titulo “Brasil agora cobra “calotes” da Venezuela”. Em sequência a anúncio feito na semana passada pela direção da Petrobras do cancelamento, enfim, da parceria firmada por Lula e Chávez em 2008 para a construção da refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco, cujas obras não contaram com nenhum aporte da estatal ou do governo venezuelanos.
E o respaldo externo a esse populismo radical– por parte de outro aliado importante, a Argentina – recebeu um forte sinal de esgotamento nas eleições legislativas lá realizadas no último domingo. Também refletindo uma péssima gestão da economia (com manipulações grosseiras dos índices de inflação e do desempenho do PIB, controle arbitrário das exportações e importações, aguda crise cambial, queda dos investimentos privados e aumento do assistencialismo). O kirchnerismo sofreu forte derrota no pleito, projetando-se agora um final in-certo do mandato da presidente Cristina e insucesso do seu candidato na disputa presidencial de 2015.
Tal sinal pode ser indicativo, também, de limitações ao populismo pragmático, mas igualmente de forte teor estatizante, praticado no Brasil. Que se manifestam em restrições crescentes ao progressivo abandono dos fundamentos da estabilidade da economia; ao descarte de reformas essenciais; ao descompasso entre elevados gastos de custeio e assistencialistas e os investimentos produtivos; à abusiva carga tributária; à deterioração das contas externas; ao isolamento do país em relação às novas e decisivas cadeias produtivas globais; à herança de problemas que um novo governo receberá em 2015, agravada pelos custos da gastança eleitoral neste ano e no próximo. Estes são fatores que estão dividindo e estreitando o amplo apoio partidário e social – construído pelo ex-presidente Lula – a esse tipo de populismo. E que poderão interromper sua reprodução na disputa eleitoral de 2014.
Jarbas de Holanda é jornalista
Nenhum comentário:
Postar um comentário