• Para PT, fracasso de Marina levaria à volta com tudo em 2018
- Valor Econômico
Muitas das análises que se seguiram à tragédia em Santos repisaram o óbvio: tudo podia acontecer com a candidatura de Marina Silva, inclusive nada. A última pesquisa Ibope indica que a candidata pessebista atraiu, primeiro, boa parte dos eleitores disponíveis (indecisos e nulos/em branco), para depois começar a avançar sobre os votos de Aécio e Dilma, convertendo a bipolaridade prevista em um cenário triangular. No entanto, a grande maioria das contendas para o Executivo, seja na cidade paulista de Borá, com seus 1.060 eleitores, seja na eleição presidencial, se reduz a uma dinâmica quase inescapável: uma batalha retórica entre representações da realidade, em que o governo afirma que o presente é bom, mas que o futuro será ainda melhor se o trabalho não for interrompido, enquanto a oposição sustenta que o presente é tenebroso, mas o paraíso na terra se dará a partir da mudança no comando do governo. Essa lógica aceita adaptações conjunturais, como a retórica governista sacando o slogan de "mais mudanças", ao mesmo tempo em que admite alguns problemas na gestão atual somente se situados na lembrança de que na era FHC tudo era muito pior - têm-se então o mundo em preto e branco e as pessoas invisíveis da propaganda petista, era das trevas em que o sol mal se punha. No outro campo, temendo a popularidade de Lula, tanto Aécio quanto Marina se enchem de dedos para criticar seus oito anos na Presidência, centrando fogo nos quatros anos de Dilma.
Apesar dos muitos tons de cinza, a lógica governo x oposição permanece, e a consolidação de Marina como candidata "não governo" leva a uma conclusão óbvia, que coloca Aécio em posição extremamente desconfortável. De candidato quase garantido no segundo turno, quando planejava capitalizar os sentimentos antipetistas e a rejeição a Dilma, passou a enfrentar uma disputa mano a mano com Marina. Por mais que os tucanos insistam em manter uma postura olímpica de única alternativa viável, a nova situação agora já se impõe. E o nível de desconforto se eleva pela dificuldade em atacar uma candidata de aparência frágil, que canaliza o sentimento antipolítica e é vista por parte dos eleitores, em algumas pesquisas qualitativas, como uma espécie de segunda viúva de Campos.
Os tucanos esperam que os petistas façam o serviço sujo, já que o enfrentamento com Marina tampouco se mostraria a opção mais segura de vitória do governo na rodada final. Porém, o não muito tempo que resta de campanha (37 dias) passou a jogar contra Aécio. Além disso, o PSDB despreza cálculo que começa a rondar as fileiras petistas. Um segundo turno contra Marina talvez realmente leve à derrota após 12 anos. No entanto, a falta de quadros do Rede/PSB, o personalismo de Marina e a ausência de bases e alianças sólidas no meio político e em diversos segmentos sociais são fatores que levam parte do PT a apostar que um eventual governo marineiro seria um grande desastre, abrindo as portas para o partido voltar com tudo (e com Lula) em 2018, com a típica cara do "eu bem que avisei". Já a eleição de Aécio poderia significar o início de um novo ciclo tucano em Brasília.
Não seria a primeira vez que a cúpula petista apostaria no "quanto pior melhor" como cálculo eleitoral. Em meio à crise do governo Collor em 1991-92, os dirigentes do partido resistiram o quanto puderam a engrossar o coro que pedia a destituição do presidente. Um governo sangrando até as eleições de 1994 se mostrava um cenário mais favorável à vitória de Lula do que a solução institucional com a posse do vice, que poderia fazer emergir um novo salvador da pátria. Atropelada pelas ruas e pelas próprias bases do partido, somente em meados de 1992 a direção petista adotaria um discurso mais agressivo.
Os desafios de Marina são proporcionais às crescentes expectativas em torno de seu nome. Ela será chamada a se posicionar no debate a todo o momento, pois seu eleitorado possui um perfil ambíguo. De um lado, estratos de classe média com escolaridade acima da média, sobretudo jovens, muitos deles com posturas mais liberais em relação a temas como união homoafetiva, aborto e drogas. De outro, setores evangélicos que mal podem ouvir falar de alguns desses temas. Em segundo lugar, Marina será desafiada a construir pontes com vários setores, muito além do agronegócio. A "Carta ao Povo Brasileiro" de Lula terá que se desdobrar em diversas cartas, não só para amainar segmentos receosos de suas ideias, mas também para mostrar que por trás do salvacionismo messiânico que muitas vezes ronda suas falas existe uma liderança com racionalidade, adaptável e pragmática.
Por fim, Marina será instada a fazer política mais com o estômago e menos com o fígado, aceitando adesões e alianças impensáveis até ontem; mais que isso, terá que se mostrar a agregadora que não foi até aqui, começando - e talvez principalmente - por evitar o despedaçamento do PSB. O enfrentamento (e derrota) com os dirigentes do PV parece não ter sido suficiente para ensinar a Marina que os partidos têm seus "donos". Uma família dá as cartas no PSB desde 1992, quando Miguel Arraes assumiu a presidência da legenda, sendo substituído pelo neto apenas com sua morte em 2005. Se por um lado Marina recebeu o apoio público da família, por outro comprou briga com um dos dirigentes mais influentes e com maior domínio sobre a máquina, Carlos Siqueira, primeiro-secretário nacional do PSB desde 1995 (oito gestões seguidas), o que demonstra sua intimidade com aquela mesma família. Para quem tem tantos desafios pela frente, talvez não tenha sido das atitudes mais sensatas.
Pedro Floriano Ribeiro é professor de ciência política na Universidade Federal de São Carlos, onde coordena o Centro de Estudos de Partidos Políticos
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