segunda-feira, 3 de agosto de 2015

Marcos Nobre - O PMDB e o impeachment

- Valor Econômico

• O PMDB parcelou o ajuste em três anos

Em março deste ano, o senador Aloysio Nunes Ferreira retomou o bordão: "Não quero o impeachment, quero ver Dilma sangrar". Não faltou quem lembrasse que a estratégia já tinha sido tentada, sem sucesso, dez anos antes. Com mensalão e tudo, Lula se reelegeu, com folga, em 2006.

Muita coisa separa a situação atual daquela de 2005. Dilma está longe de ser Lula. A economia mundial anda de lado. O ciclo de governos liderados pelo PT ultrapassou os 12 anos consecutivos. Mas a diferença mais importante é que, desta vez, o operador da sangria não é o PSDB.

A crise trouxe o PMDB para a posição de protagonista, papel que não desempenhava desde a década de 1980. A pretensão tucana da sangria foi então substituída pelo sufocamento metódico. A asfixia pemedebista é aplicada com precisão profissional: não aperta tanto que chegue a matar nem dá chance de a vítima reagir.

O caso mais emblemático é o ajuste fiscal. O plano inicial do governo era fazer um ajuste forte em 2015 e mais suave em 2016, de modo a sonhar com algum crescimento em 2017-2018. O PMDB arredondou essa conta para um ajuste parcelado em três anos.

Não é pouca a confusão que pode vir de uma recessão dilatada no tempo. Mas os horrores de uma recessão ainda mais aguda do que a atual - como a provocada, em 1991, pelo Plano Collor, por exemplo - parecem muito piores aos olhos das lideranças políticas pemedebistas. O PMDB fez do limão uma limonada, aproveitou para posar de defensor do salário e da renda do trabalhador, cerrou fileiras com setores do empresariado para postergar as desonerações da folha de pagamento.

O ajuste foi reduzido a uma espécie de mínimo operacional. É uma tática que procura evitar tanto uma recessão ainda mais profunda como a chance de o governo recuperar sua margem de manobra caso um ajuste mais drástico produzisse crescimento econômico em prazo mais curto. Para fazer ajuste maior, o governo terá de cortar o orçamento, dizimando especialmente o investimento público. Tentar aumentar a carga tributária é pagar adiantado por um descrédito adicional, sem nenhuma segurança quanto ao resultado.

O PMDB conta com a colaboração da própria vítima para calibrar a asfixia. Passou inteiramente para as mãos de Dilma o ônus de vetar as medidas que inviabilizariam até mesmo um patamar mínimo do ajustamento pretendido, pôs nas suas costas o máximo possível do peso político do ajuste. O que mostra, paradoxalmente, que Dilma é parte essencial do equilíbrio precário montado para enfrentar a crise.

A tática do sufocamento não desagradou nem um pouco o PSDB, pelo contrário. É verdade que a foto não ficou lá muito bonita. Pega mal escancarar que o grande partido de oposição depende umbilicalmente do PMDB para fazer oposição. Mas o PSDB tem três candidatos presidenciais com recall, parece o suficiente para garantir a posição de futuro síndico do condomínio.

Não para alguns setores do partido, entretanto. Dada a agudeza da crise, parte do PSDB considera necessário retomar imediatamente o protagonismo para garantir a liderança do sistema político. É um movimento que favorece pelo menos uma de suas cartas presidenciais desde já, a candidatura de Aécio Neves. Mas também pode significar um afastamento em relação à estratégia pemedebista de condução da crise.

O PMDB aceita de bom grado voltar para o fundo do palco. Ser protagonista é péssimo para os negócios. Basta mencionar o rompimento público de Eduardo Cunha com o governo, recebido com gélido distanciamento por todo o partido. O recado para o presidente da Câmara dos Deputados foi claro: apenas políticos que não se formaram na escola do PMDB cometem esse tipo de desatino em público.

Na cartilha do PMDB uma movimentação do PSDB em busca de uma retomada do protagonismo que signifique apoio ao impeachment conta como jogada amadorística. Impeachment é confusão a ser evitada a todo custo. De incerteza, já basta a Lava-Jato. O PMDB sabe que parte de sua cúpula será ferida de morte e que o partido terá de se reconfigurar de maneira importante no rescaldo da operação. Mas essa é uma fonte de incerteza que está fora de controle do ponto de vista político. Não resta nada a fazer senão tentar controlar danos.

Já o impeachment representa para o PMDB incerteza adicional e desnecessária. Mataria o governo em lugar de apenas imobilizá-lo. É o tipo de jogada que tira do Congresso o controle do processo, que traz para o palco o imprevisível dos movimentos de rua, novos e velhos. O tiro pode até acabar dando no cenário de horror máximo para o PMDB, em explosões de descontentamento muito além do padrão Junho de 2013.

Por fim, assumir a Presidência, em um eventual impeachment de Dilma, seria um autêntico pesadelo. Não seria possível descolar o partido dos efeitos deletérios da recessão, o que hoje é possível fazer com certo sucesso, dadas as circunstâncias. E Michel Temer presidente estaria à mercê da autofagia do bazar de interesses do PMDB, agravado pelo pânico com a foice da Lava-Jato.

Temer não poderia, como Dilma, encenar uma queda de braço com o Congresso. Estaria na posição tutelada em que esteve José Sarney na década de 1980. O resultado desastroso daquela experiência ainda está bem vivo na memória pemedebista: um candidato que não chegou a cinco por cento dos votos na eleição presidencial de 1989. E, em seguida, cinco longos anos de luta pela sobrevivência e de relativo ostracismo.

Compreende-se a preferência do PMDB pela continuidade da tática da asfixia segura. Diante da recessão e do avanço lento e implacável da Lava-Jato, o fundamental é não fazer marola. O PT já está devidamente imobilizado, pode apenas espernear. A sigla já virou sinônimo de encrenca no dicionário eleitoral e não tem como desembarcar do navio avariado do governo Dilma.
Mas parte do PSDB ainda acha que pode fazer marola sem virar a canoa. E, dentro do próprio PMDB, há Eduardo Cunha, que já deu um passo em falso e ameaça dar muitos mais. São fios desencapados que o PMDB vai ter de neutralizar se quiser continuar pilotando a crise nos seus termos.
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Marcos Nobre é professor de filosofia política da Unicamp e pesquisador do Cebrap.

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