• Exposto pela Lava-Jato, presidente da Casa pode ver ruir rede de aliados
Por Junia Gama – O Globo
BRASÍLIA — Após um semestre em que comandou com mão de ferro os trabalhos na Câmara, o presidente da Casa, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), volta ao Congresso exposto pelas acusações feitas pelo delator Júlio Camargo, que o acusou em depoimento à Operação Lava-Jato de ter cobrado US$ 5 milhões no esquema de corrupção da Petrobras. Se contava com apoio da oposição e de uma ampla base de deputados rebeldes, que viu suas demandas fortalecidas junto ao peemedebista, Cunha já não tem mais essa segurança para o segundo semestre.
Na retomada das atividades no Congresso, nesta segunda-feira, o deputado testará sua força na votação das contas da Presidência da República pendentes de análise, deixando o caminho aberto para a apreciação das contas de 2014 da presidente Dilma Rousseff, que podem ser rejeitadas pelo Tribunal de Contas da União (TCU). Está prevista ainda a votação do projeto protocolado por Cunha que corrige o FGTS pela poupança, uma das maiores preocupações do governo. Até o final do mês, serão ainda analisados vetos polêmicos, como a alteração do fator previdenciário; o reajuste para o Judiciário, que chega a 78%; e a equiparação da fórmula de aumento do salário-mínimo às aposentadorias.
A permanência de Cunha no comando da Câmara, a princípio, não parece estar ameaçada. Existe a perspectiva, entre os próprios deputados, de que prevaleça o corporativismo no tratamento ao peemedebista. Isso porque há parlamentares dos mais diversos partidos — são 13 senadores e 22 deputados — investigados na Operação Lava-Jato e que, portanto, correm o mesmo risco a que está sujeito o presidente da Câmara.
Mesmo os deputados da oposição sinalizaram que não apoiariam o afastamento imediato, logo após a delação de Júlio Camargo contra Cunha. Durante a dispersão do recesso parlamentar, que terminou ontem, correligionários de Cunha mantiveram a rede de proteção em torno dele, e a oposição adotou discurso cauteloso de que é preciso aguardar o desenrolar dos fatos e garantir o amplo direito de defesa antes de fazer qualquer julgamento. Seus defensores argumentam, porém, que se houver “provas robustas” na denúncia contra Cunha, e se ele reagir atacando, com seu conhecido temperamento explosivo, a rede de aliados pode começar a ruir.
A bancada do PMDB, que chegou a marcar reunião esta semana para definir se acompanharia Cunha na decisão de ir formalmente para a oposição, pretende agora aguardar os próximos capítulos em Brasília antes de tomar qualquer decisão. Ao GLOBO, o líder do partido na Câmara, Leonardo Picciani (PMDB-RJ), disse que será apenas uma reunião de “avaliação política”, sem passos mais concretos:
— Não creio na tomada de decisão. Essa questão de governo é partidária. A bancada pode demandar uma reunião partidária para debater esse tema. Mas só vamos ter o termômetro voltando do recesso.
“Vala comum” com parlamentares
Deputados ressaltam que a bancada do PMDB está “dispersa”, com algumas vozes contrárias a Cunha, o que dificulta uma posição uníssona sobre o presidente da Câmara. É o caso, por exemplo, dos deputados Marcelo Castro (PI), Danilo Forte (CE) e Jarbas Vasconcelos (PE), entre outros. Outro aliado de Cunha deixa claro que o seu desgaste será proporcional à materialidade das acusações de que é alvo:
— Vem mais coisa dele na Lava-Jato? Vai ter prova de fato de envolvimento dele? A posição dele é proporcional ao desgaste que ele tem. Se não vier mais nada, ele pode até sair fortalecido — diz o aliado peemedebista.
A oposição deverá manter a sustentação a Cunha num primeiro momento, movida pelo desejo de enfrentar o governo. Interessam, especialmente, as discussões sobre o impeachment, que dependem de um despacho de Cunha, e a votação das contas de 2014, que a oposição vê como uma oportunidade para iniciar o processo de responsabilização contra Dilma.
— Ele chegou onde chegou porque enfrentou o Planalto. O que vai dar força é o fato de ser instrumento para tirar Dilma. No primeiro momento, ele vai continuar com força, mesmo questionado por alguns. PSDB, DEM e Solidariedade vão dar proteção — diz um parlamentar da oposição.
— Eduardo é muito importante como instrumento de oposição, mesmo para o PSDB, que não votou nele. Neste semestre, é lógico que o volume de denúncia o enfraquece, mas não muda o temperamento dele de ir para cima. Ele responde a inquérito, mas está em uma vala comum com tantos outros parlamentares. É para sair? Então todos os parlamentares vão ter que se afastar. É mais duro derrubar Eduardo que Dilma. Ninguém no partido vai ficar fazendo defesa dele, o PSDB precisa dizer que tudo tem que ser apurado. Mas também não vamos pedir para ele sair. Vai ser um semestre de muitas incertezas — afirma um tucano.
Há uma espécie de consenso, tanto entre deputados da base quanto da oposição, sobre a cautela com que será tratada uma possível denúncia pelo Ministério Público contra Cunha, pelo fato de atingirem parlamentares de diversos partidos, inclusive alguns com cargos de destaque, como o presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), Arthur Lira (PP-AL). Esse cuidado existe até mesmo no PT, massacrado na Câmara por Cunha.
O líder do governo, José Guimarães (PT-CE), atenta para a necessidade de se esperar a conclusão de um eventual processo para que qualquer medida seja tomada na Câmara:
— É precipitado falar qualquer coisa sobre quem será denunciado. Não se pode condenar ninguém a priori. Não vamos fazer coro do quanto pior, melhor. Todo mundo tem direito à presunção de inocência. Sem isso, é barbárie.
Alguns fiéis escudeiros acreditam que, mesmo que Cunha chegue a ser denunciado, isso não afastará sua base de aliados.
— O irmão do (ex-ministro Mario) Negromonte foi denunciado e absolvido (em ação penal originada da Lava-Jato). Denúncia não é condenação — conclui um aliado próximo a Eduardo Cunha.
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