- O Globo
Decisão do Supremo é um golpe na impunidade. A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de autorizar a prisão de condenados em segunda instância, em vez de permitir que recorram em liberdade até o chamado trânsito em julgado, que pode levar em média mais de 15 anos, terminando sempre no STF, é uma mudança radical e elogiável no nosso sistema criminal, qualificado ontem pelo ministro Gilmar Mendes como “surreal”, pela incapacidade de condenar.
O juiz Sérgio Moro já havia defendido a tese em artigos, e a medida consta também das dez medidas contra a corrupção que os procuradores de Curitiba estão propondo como projeto de lei de iniciativa popular. Esse projeto já tem mais de 1,4 milhão de assinaturas e precisa de, no mínimo, 1,5 milhão para ser apresentado ao Congresso.
Um dos pontos abordados é o “aumento da eficiência e da justiça dos recursos no processo penal”. São propostas 11 alterações pontuais no Código de Processo Penal ( CPP) e uma emenda constitucional, a fim de dar celeridade à tramitação de recursos em casos do chamado “crime do colarinho branco”, sem prejuízo do direito de defesa do réu.
Essas alterações incluem a possibilidade de execução imediata da condenação quando o tribunal reconhece abuso do direito de recorrer; a revogação dos embargos infringentes e de nulidade; a extinção da figura do revisor; a vedação dos embargos de declaração de embargos de declaração; a simultaneidade do julgamento dos recursos especiais e extraordinários; novas regras para habeas corpus; e a possibilidade de execução provisória da pena após julgamento de mérito do caso por tribunal de apelação, conforme acontece em inúmeros países.
Já existe um projeto apresentado em 2009 na Câmara Federal pelo então deputado Marcelo Itagiba. Por ele, os recursos ao STJ e STF destinam- se apenas à questão de violação de lei ou da Constituição, não se discutindo mais a questão probatória. A presunção passa a ser de culpabilidade e não de inocência.
Ao defenderem essas mudanças, os procuradores têm em mente o que aconteceu na Itália durante a Operação Mãos Limpas, que, como já contei aqui em outras colunas, teve um apoio popular grande durante os primeiros momentos e acabou sendo envolvida por diversas denúncias que, mesmo não tendo sido comprovadas, corroeram a confiança popular.
A reação do sistema político teve seu auge com a eleição de Silvio Berlusconi como primeiro-ministro em 1994. Tomou corpo, então, uma campanha de difamação contra as principais figuras da Operação Mãos Limpas, em especial o juiz Di Pietro, e acusações de abuso de poder nas investigações, o mesmo que está acontecendo hoje no Brasil.
O projeto de lei popular contra a corrupção tem o objetivo de tomar a dianteira diante do que aconteceu na Itália com as Mãos Limpas. O conselho de ministros do novo governo italiano aprovou um decreto lei impedindo prisão cautelar para a maioria dos crimes de corrupção, a partir do que grande parte dos presos foi solta.
O decreto, que ficou conhecido como “salva ladrões”, causou tanta indignação popular que acabou sendo revogado poucos meses depois de editado, mas provocou retrocesso nas investigações. Em vez de terem aprovado reformas que evitariam a corrupção, na Itália acabou se assistindo a uma reação do sistema, dos próprios investigados, pessoas poderosas e influentes, e foram aprovadas leis para garantir a impunidade.
A economista Maria Cristina Pinotti, uma estudiosa da Operação Mãos Limpas, destaca em artigo a eficácia do trabalho da força- tarefa, lembrada pelo Juiz Gherardo Colombo em seu recente livro “Lettera a un figlio su Mani pulite”. No início dos anos 90, 20% dos indiciados na Procuradoria de Milão eram absolvidos por falta de provas, enquanto que nos primeiros anos da Operação Mãos Limpas o percentual caiu para 4%, tendo voltado para mais de 20% depois.
Dentre um universo de mais de 5 mil pessoas investigadas, apenas 900 foram presas, e 40% do total foram salvas por prescrições, morosidades processuais ou mudanças nas leis, deixando um forte legado de impunidade. A economista conclui que a Operação Mãos Limpas foi mutilada antes de seu final e não cumpriu integralmente seu papel de punir os corruptos como esperava a sociedade italiana.
No Brasil, a decisão do STF em relação à prisão imediata na condenação da segunda instância, sem prejuízo dos recursos acontecerem, é um avanço para a punição da corrupção, em contraposição aos acordos de leniência que o governo está promovendo.
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