• Lava-Jato foi um claro exemplo do perigo em permitir às empresas que financiem campanhas eleitorais
Por Daniel Burg e Tamara Furman – Valor Econômico
Em 19 de setembro de 1995, entrou em vigor a lei 9.096/95, que, em seus artigos 31, 38 e 39, previa a possibilidade de pessoas jurídicas realizarem, desde que observados alguns requisitos, doações para partidos políticos financiarem suas campanhas eleitorais.
Essas doações passaram a ter grande importância para o caixa das agremiações políticas, chegando, nas eleições de 2014, a representar 70% do montante arrecadado por elas e pelos respectivos candidatos.
Com isso - e a badalada Operação Lava-Jato está aí para comprovar o que se diz -, os partidos políticos, em sua grande maioria, passaram a ficar à mercê das vontades destas empresas, fato que contribuiu significativamente para o atual cenário de corrupção no Brasil.
A Comissão de Direito Eleitoral da Ordem dos Advogados do Brasil, em 2013, já havia interposto, perante o STF, Ação Direta de Inconstitucionalidade - ADI nº 4560/DF, por meio da qual, dentre outros diversos e importantes pedidos, requereu fossem declarados inconstitucionais os artigos que permitiam, às empresas, realizarem as doações aqui debatidas.
Em razão de interrupções ocorridas no curso da ação, somente em 17 de setembro de 2015 foi que o pleno do STF, por maioria dos votos de seus 11 ministros, declarou a inconstitucionalidade dos dispositivos legais acima mencionados.
Um dos 3 ministros vencidos - ou seja, que sustentaram entendimento de que as empresas deveriam continuar a poder efetuar doações em favor dos partidos políticos - foi Gilmar Mendes.
Durante a sessão de julgamento, o ministro sustentou que o STF, ao acatar o pedido da OAB, estaria amplamente favorecendo o Partido dos Trabalhadores, na medida em que "o partido que mais leva vantagem na captação de recursos das empresas privadas agora, como Madre Tereza de Calcutá, defende o fim do financiamento privado. O partido consegue captar recurso na faixa dos bilhões de reais por contratos com a Petrobras e passa a ser o defensor do fim do financiamento privado de campanha. Eu fico emocionado, me toca o coração".
Sem fazer qualquer juízo das contundentes afirmações do ministro Gilmar Mendes, tampouco entrando no mérito da reprovabilidade da conduta perpetrada, nos últimos anos, pela enorme maioria dos membros do Partido dos Trabalhadores, fato é que a decisão do STF, ao menos em um primeiro momento, colocou o PT em maus lençóis.
Isso porque, menos de 15 dias depois, a presidente afastada Dilma Rousseff sancionou a Lei da Reforma Política, no entanto vetou, dentre outros artigos, aquele que permitia a realização de doações e contribuições de empresas para campanhas políticas, utilizando, como justificativa, a decisão do STF que declarou a inconstitucionalidade de tais contribuições.
Ao assim agir - e seria inócuo para Dilma sancionar artigos que traziam, em seu bojo, conteúdo que já havia sido declarado inconstitucional pelo STF - a presidente afastada fragilizou sua relação com o Congresso, fato corroborado pelo processo de impeachment por ela sofrido.
O Congresso Nacional, por sua vez, não desistiu, naquele momento, da tramitação da PEC nº 113/2015, que trazia, dentre outras propostas, a possibilidade dessas doações passarem a ser constitucionalmente reconhecidas, o que acabou não sendo aprovado pelo Senado em dezembro de 2015.
De toda forma, o veto foi acompanhado da ressalva de que o assunto poderá ser objeto de proposição autônoma, nos termos do artigo 313, inciso I, do regimento interno do Senado.
No mesmo mês, o Tribunal Superior Eleitoral, TSE, por meio da resolução 23.463, vedou, expressamente, a possibilidade dos partidos políticos receberem qualquer tipo de doação em dinheiro, inclusive por meio de publicidade, mas, por outro lado, não fez qualquer menção à continuidade dessas regras, por exemplo, para as eleições presidenciais de 2018.
E é aí que reside o problema: o STF não proibiu em definitivo tais doações, tanto é assim que, caso a PEC 113/2015, que foi votada pelo Congresso após o julgado em debate, tivesse sido aprovada no que tange à questão da legalidade dessas contribuições, a decisão da Suprema Corte passaria a não ter mais eficácia, pelo menos até que uma nova ADI fosse proposta.
O próprio ministro Luís Roberto Barroso - um dos que votou pela declaração da inconstitucionalidade dos artigos que permitiam as doações ora debatidas - afirmou que caberá ao Congresso definir se as empresas poderão participar financeiramente do processo eleitoral.
Assim - e sendo certo, como visto acima, que o TSE, ao vedar a possibilidade dessas doações ocorrerem, somente fez menção às eleições municipais de 2016 -, conclui-se que não há, em vigor, nenhuma regra segura acerca da legalidade, ou não, das doações de empresas para partidos políticos para as eleições presidenciais de 2018, bem como para todas que irão ocorrer posteriormente a esta.
A Operação Lava-Jato foi um claro exemplo do perigo existente em permitir às empresas que financiem campanhas eleitorais, o que é corroborado, também, pelos recentes estudos desenvolvidos pela Universidade de Direito do Estado do Rio de Janeiro, que demonstrou não só que a enorme maioria dos financiamentos das agremiações políticas é oriunda de doações das pessoas jurídicas, como também que 61 % da totalidade dessas contribuições advém de um grupo de 191 empresas, o equivalente a 1 % do total de doadores.
Dessa forma, sobretudo após a publicidade que foi dada no que tange aos fatos criminosos que foram alvo da Lava-Jato - os quais certamente foram potencializados pelos dispositivos legais que autorizavam as espécies de doação que são objeto do presente artigo -, nos parece que o Legislativo, se quiser agir com o mínimo de ética e transparência, deverá, a fim de encerrar a insegurança jurídica que envolve o tema, criar normas seguras e desprovidas de lacunas a fim de proibir, em definitivo, que empresas realizem doação de quaisquer natureza para partidos políticos, o que seguramente contribuirá para a diminuição da corrupção no Brasil.
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Daniel Allan Burg é advogado criminalista sócio do Burg Advogados Associados e pós-graduado pela Escola de Direito do Brasil.
Tamara Furman é advogada especializada em Direitos Humanos pela Universidade de Coimbra, Portugal
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