A conta do afastamento da presidente Dilma Rousseff já está sendo paga pelo presidente interino Michel Temer e ela pode ser bastante cara. Com os partidos da base governista de Dilma que debandaram para o lado de Temer foi arrumado às pressas um ministério marcadamente político que, na estreia, revela-se uma Babel de proposições. Em um lance de importantes consequências futuras, a escolha do novo líder do governo na Câmara, André Moura (PSC-SE), ratificou a preferência do líder de fato, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), afastado da presidência da Casa pelo Supremo Tribunal Federal. Sob a égide de Cunha, 13 partidos do "centrão", com 225 deputados, quase metade da Câmara, se uniram para cacifar Moura. Temer, como Dilma, depende desses partidos, a maioria com interesses muito particulares e, com frequência, nada republicanos.
Eduardo Cunha, envolto até a alma em denúncias na Operação Lava-Jato, se tornou poderoso demais para ser combatido ou ignorado e deletério demais para se ter como aliado. Mas o novo governo é devedor do homem que encaminhou pedido de impeachment de Dilma e supõe-se que saiba os riscos que corre. Cunha não cessou suas atividades e opera com a mesma desenvoltura nos bastidores do governo Temer. Emplacou um de seus advogados, Gustavo do Vale Rocha, na Subsecretaria de Assuntos Jurídicos da Casa Civil e um assessor especial seu na chefia de gabinete da Secretaria de Governo, Carlos Henrique Sobral.
O "centrão" sabe que o governo interino é fraco e que dele precisa para sacramentar o impeachment de Dilma Rousseff. Por esses partidos será possível ao governo aprovar algumas propostas relevantes no Congresso, mas nenhuma agenda reformista de maior amplitude. A dispersão partidária, com o enfraquecimento do PT e do PSDB, deu poder de fato às siglas fisiológicas, que buscam uma perigosa autonomia e o domínio da Câmara. Por afinidade, o PMDB tenderia a atraí-los, desde que não se pense em programas ou políticas modernizantes. A aposta de Temer é a de que seu partido será capaz de influenciar o centrão na direção que lhe convém e atender parte de suas demandas.
Pelos primeiros passos, o novo ministério deverá (ou não) se entrosar ao longo do caminho. As primeiras entrevistas de ministros foram verdadeiros pesadelos para um presidente interino que precisa conquistar logo credibilidade para realizar o difícil trabalho de rearrumar as contas públicas e retirar o Brasil da recessão. Temer terá de colocá-los para falar a mesma língua, sob pena de descrédito prematuro ou precipitadas defecções.
O ministro da Saúde, Ricardo Barros, disse que o país não tem condições de sustentar direitos estabelecidos na Constituição, como o acesso universal à saúde e, em seguida, que "quanto mais gente puder ter planos de saúde, melhor", ("Folha de S. Paulo", 17 de maio). Para um governo que quer construir a imagem de que não irá retirar benefícios sociais, declarações como essa levantam suspeitas de que o contrário pode ser verdadeiro.
A Operação Lava-Jato é questão sensível também no governo Temer, no qual o ministro do Planejamento, Romero Jucá, é investigado e o núcleo político - Geddel Vieira, Eliseu Padilha (Casa Civil) e Moreira Franco (secretário do Programa de Parcerias e Investimentos) - foi citado em conversas de delatores. Henrique Alves, do Turismo, é alvo de dois pedidos de inquéritos ainda não avaliados pelo STF.
A Procuradoria Geral da República é peça vital na engrenagem das investigações. E o ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, de cara, defendeu que a escolha da chefia da PGR não deveria obrigatoriamente sagrar o primeiro nome da lista tríplice com os mais votados, como se tornou tradição. Moraes já foi advogado de Eduardo Cunha em um processo no STF, no qual ele foi absolvido da acusação de uso de documentos falsos. Temer interveio imediatamente e desautorizou o ministro.
A área econômica se preservou dessa cacofonia. Diante do descalabro fiscal, Henrique Meirelles, ministro da Fazenda, avalia todas as possibilidades de reduzir o déficit e colocar as contas públicas em um azul sustentável. Meirelles tem sido cauteloso, com a saudável preocupação de obter diagnósticos precisos como guia para ação e evita falação. Escolheu uma equipe de perfil fiscalista, como convém, e um economista respeitado para presidente do Banco Central. O comportamento da Fazenda deveria ser a regra, mas pode se tornar uma preocupante exceção.
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