O governo Maduro reprimiu protestos da oposição que apoiavam um referendo para tirar o presidente da Venezuela. Maduro foi tachado de “ditadorzinho” pelo chefe da OEA e retrucou.
Críticas ao ‘ditadorzinho’
- Secretário-geral da OEA ataca Maduro, que manda reprimir manifestações opositoras
- O Globo
-CARACAS- Enquanto tentava blindar a cidade de Caracas de mais uma manifestação de opositores — a primeira desde o anúncio do decreto de exceção econômica na Venezuela — o presidente Nicolás Maduro recebia acusações contundentes do secretário-geral da Organização dos Estados Americanos (OEA), Luis Almagro, que o chamou de“traidor” e “ditadorzinho”, caso impedisse que o referendo revocatório de seu mandato fosse levado adiante pela oposição. Maduro, por sua vez, devolveu chamando-o de “lixo e traidor” e, em resposta aos protestos, ameaçou decretar estado de comoção interna na Venezuela, como parte do estado de exceção que vigora no país.
Numa contundente carta aberta, em que deixava de lado o tom diplomático, o líder do órgão regional não poupou palavras ofensivas ao presidente, chamando-o ainda de mentiroso.
“Negar a consulta ao povo, negar a ele a possibilidade de decidir, te transforma em mais um ditadorzinho, como os tantos que o continente teve”, escreveu, negando que seja agente da Agência Central de Inteligência dos EUA. “Sua mentira, ainda que repetida mil vezes, nunca será verdade. Minha consciência está limpa, Presidente, e minha conduta muito mais.”
‘Escória imperial’
Um dia antes, Maduro disse conhecer “segredos” do diplomata que, segundo ele, teria chegado ao cargo como parte de um plano consolidado pelos EUA para assegurar a defesa de seus interesses. Num ato, o presidente disse que Almagro esteve reunido com o chefe do Comando Sul dos EUA, sugerindo uma conspiração. Já a chanceler Delcy Rodríguez chamou o chefe da OEA de “escória imperial”.
Nas ruas, a manifestação convocada por políticos opositores acabou com pelo menos 17 presos e acusações de excesso de violência por parte da polícia. Para evitar que os opositores ao governo chegassem à sede do Conselho Nacional Eleitoral (CNE), agentes lançaram bombas de gás lacrimogêneo sobre manifestantes em Caracas — segundo testemunhas, cerca de cem pessoas foram atingidas quando tentavam furar a barreira policial. Catorze estações de metrô também foram fechadas para dificultar a movimentação dos opositores. Houve protestos em ceca de 20 cidades. Em Mérida, um grupo de estudantes da Universidade dos Andes reclamou de agressões. Opositores ainda denunciaram ataques de grupos paramilitares chavistas. Um vídeo mostrou um desses grupos com escolta de policiais.
— Como a Guarda Nacional, a Polícia Nacional e as Forças Armadas estão resistindo e queixando-se porque não querem assumir o custo da repressão aos civis, apareceram os coletivos armados — acusou o presidente da Assembleia Nacional, Henry Ramos Allup. — Não queremos confronto, só exercer nossos direitos.
A Praça Venezuela, ponto final da marcha, esteve todo o dia cercada por centenas de policiais antimotim — também circulavam motoqueiros, que tentavam amedrontar os manifestantes. Mas os piores confrontos ocorreram na Avenida Libertador. Com cartazes que pediam o referendo revocatório, os venezuelanos também criticavam os policiais e pediam que as Forças Armadas se unissem à luta. Um dia antes, um dos líderes da oposição, Henrique Capriles, havia exortado os militares a decidirem “se estavam com a Constituição ou com Maduro”. O governo também convocou manifestações, que não foram reprimidas.
Maduro, por sua vez, acusou os manifestantes opositores por atos violentos — ele chegou a publicar uma foto em que alguns agrediam policiais. Num ato em Anzoátegui, o presidente disse ainda que o decreto de exceção foi promulgado para que ele não dependesse da AN e ameaçou implantar um estado de comoção interna — que dá mais poderes de segurança ao governo.
— É um recurso que tenho como chefe de Estado caso na Venezuela ocorram atos golpistas violentos, e não hesitarei em adotá-lo, se necessário, para lutar pela paz e segurança deste país.
70% querem novo governo
A concentração terminou quando o representante do Conselho Nacional Eleitoral (CNE), Luis Emilio Rondón, recebeu um documento em que opositores fazem queixas de irregularidades no processo revocatório do mandato de Maduro. Na semana passada, o CNE informou que finalizará a auditoria das assinaturas apenas no dia 2 de junho — a oposição acusa o órgão de tentar atrasar a consulta.
— O referendo pode ser feito neste ano, e vocês sabem disso. Vamos evitar uma explosão social e um golpe de Estado — disse Capriles a manifestantes.
E enquanto a tensão política cresce, nas ruas o mal-estar social também aumenta, diante da escassez de alimentos básicos e remédios essenciais, e da inflação mais alta do mundo — que chegou a 180,9% em 2015 e é projetada para 700% este ano. Segundo uma pesquisa da consultoria Datanálisis, 70% dos venezuelanos apoiam uma mudança do governo.
— As pessoas estão cansadas. A situação está muito ruim, isso a qualquer momento arrebenta — desabafou a enfermeira Lilimar Carrillo, de 39 anos, que fazia fila para comprar comida em Guarenas, onde também foi registrado um protesto pela escassez de alimentos.
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