- Valor Econômico
O encontro marcado do ministro com as luzes do ativismo
O novo ministro do Supremo, Alexandre de Moraes, citou 13 vezes o futuro colega Celso de Mello durante a sabatina. O decano escolhido para escudo há de lhe ser útil. Das 11 horas da sabatina que acabou por aprová-lo, ficou claro que seu primeiro alvo, na guerrilha dos togados, é o ativismo judicial.
Trata-se, segundo sua definição, da atuação do Judiciário que, por omissão dos dois demais Poderes, afronta a separação que os rege e extrapola a missão de intérprete da Constituição sem legitimidade popular e com grande dose de subjetivismo.
Dito assim, parece irretocável. Visto que o ativismo judicial, nos últimos anos, colaborou para quase dizimar um partido, vale prestar atenção ao que diz. O ministro terá o desafio de mostrar que sua nomeação não se deveu à necessidade de autocontenção no momento em que a virulência do Judiciário, para usar suas próprias palavras, ameaça se estender para os demais partidos que tomaram o poder.
Da fluente peroração de Moraes depreende-se a estratégia política do jurista. O ministro não confrontou os métodos da força-tarefa, mas deixou claro que, na hora de julgar a nata da política, não se pautará pela cartilha de Curitiba. É favorável à condução coercitiva e, ainda que tenha suscitado dúvidas em alguns senadores, manifestou-se pela prisão em segunda instância. Reconhece, no entanto, que o foro privilegiado comporta discussões.
Valeu-se dos seus estudos de direito comparado para atestar que a Constituição brasileira comporta, por um lado, o maior número de prerrogativas de foro mas, por outro, indagou: "A prerrogativa de foro é necessariamente ruim?" Depende para quem.
Sua sabatina mostrou que uma Corte com maioria contrária a interpretações criativas da Constituição, é um bom lugar para ser julgado. As convicções garantistas de Alexandre de Moraes não devem ter passado desapercebidas pelo presidente que o indicou nem por senadores que o defenderam com vigor como Aécio Neves (PSDB).
Confrontado com um rol de ressalvas - dos contratos do seu escritório de advocacia com empresa alvo de operação policial e fornecedora de governo ao qual serviu como secretário, à acusação de plágio de constitucionalista espanhol - não perdeu a linha. A corda poderia ter sido esticada até a invasão sem mandado judicial, por uma Polícia Militar sob seu comando, de uma escola ocupada por estudantes, mas esta lacuna ficará para os anais das sabatinas homologatórias do Senado.
O exercício de contenção caiu-lhe bem, até porque comportou uma generosa dose de omissões. Deixou sem resposta a senadora Gleisi Hoffmann (PT) que levantou dúvidas sobre sua equidistância ao reproduzir trecho de resposta do ministro a aluno que lhe perguntara como lidaria com petistas, comunistas e baderneiros: "[...] simpatizante aqui do governo corrupto, que foi colocado para fora do Brasil pela corrupção, pela falta de vergonha na cara, de quem roubava bilhões e bilhões. O que deveria ter sido praticado pelo PT não era o roubo de bilhões e nem os investimentos no porto em Cuba, antes, deveria ter trabalhado pela segurança, investindo em presídio".
A senadora pode vir a ser julgada por Moraes e, por isso, ao contrários de outros colegas que virão a dividir com ela o banco de réus, declarou-se suspeita para votar em sua indicação. Se Gleisi não vale, tome-se o senador Lasier Martins, do PSD gaúcho, voto favorável ao impeachment e à PEC dos gastos.
Autor de uma proposta de emenda constitucional que prevê a escolha de ministros do Supremo a partir de lista tríplice formulada por presidentes dos tribunais superiores e pelo conselho federal da OAB, Martins foi um dos 13 votos contrários a Moraes ontem no plenário do Senado.
Senador de primeiro mandato, o primeiro de sua carreira política, citou a tênue votação que mantém a prisão por decisão de segunda instância no Supremo - um habeas corpus rejeitado por seis a cinco, sendo Teori Zavascki o sexto voto - para indagar o ministro sobre o tema, mas não ficou convencido de sua disposição em manter o entendimento do tribunal.
Foi em resposta ao senador gaúcho que o ministro mostrou como o apego à letra da Constituição também comporta um alto grau de subjetividade. Ao discorrer sobre sua decisão de pleitear uma cadeira no Supremo depois de ter defendido o impedimento de ocupantes de cargos de confiança, o ministro disse seguir a Carta, que não o impede de fazê-lo.
O ministro escolhe a dedo as oportunidades para reafirmar o primado da Constituição. O senador Randolfe Rodrigues (PSol) perguntou-lhe se o foro privilegiado é uma questão congressual ou judicial. Ouviu uma longa peroração mas ficou sem resposta.
O garantismo à Moraes tem um encontro marcado no Supremo com Luis Roberto Barroso. Em artigo de livro publicado em inglês no ano passado (Democratizing Constitutional Law, Springer), o ministro advoga que o Supremo Tribunal Federal, em linha com cortes superiores em todo o mundo, tem, para além do reequilíbrio dos poderes majoritários (Executivo e Legislativo), exercido papel de representante da sociedade. São situações em que, nas palavras do ministro, o Judiciário, atua na vanguarda da história.
Sem citar Barroso, Moraes, em sua fala inicial, declarou sua devoção às liberdades individuais e crença num Supremo que delas seja guardião. O libelo contra-majoritário do novo ministro esbarra na conclusão do artigo de Barroso, que advoga em defesa do ativismo judicial como o remédio para reverter distorções históricas de poder e riqueza sedimentadas pelos poderes eleitos.
Dados como sepultados por muitos na política partidária, os conceitos de direita e esquerda reaparecem com vigor na supremacia da liberdade individual de Moraes e na reparação de injustiças sociais de Barroso. O confronto pode carecer de legitimidade, mas se rende às evidências de que os 11, cada vez mais, dão as cartas. Podia ser pior se o país, desprovido de garantismo por Barroso, dependesse das luzes de Moraes.
Leninismo
A exaltação e o dedo em riste do ministro Moreira Franco ante jornalista que inicia pergunta com um pedido de desculpas só vem a comprovar que o PMDB não é um partido leninista.
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