A vitória de Donald Trump nos Estados Unidos estimulou os candidatos da extrema-direita na Europa. O populismo à la Trump na Europa, que já teve pré-estreia com o Brexit, terá seu verdadeiro teste na França, onde Marine Le Pen, da Frente Nacional, tem a dianteira nas pesquisas do primeiro turno (em média 25%) em abril, com um programa eleitoral em que a prioridade é convocar um plebiscito para sair da zona do euro, como fizeram os britânicos no ano passado. Os mercados começaram a ficar intranquilos com essa possibilidade e os títulos de 10 anos do Tesouro francês abriram recentemente a maior diferença em relação aos da Alemanha em quatro anos.
Há uma corrente de sentimentos dos dois lados do Atlântico impulsionando os partidos de direita xenófobos, isolacionistas e anti-globalização e, a julgar pelas pesquisas, ela é forte. Uma delas, feita em vários países pela Ipsos Mori, mostra que 80% dos entrevistados julgaram que a França precisa de "um líder que quebre as regras", em um contexto em que a maioria, não apenas entre franceses, julga que os políticos não ligam para os interesses do povo e que a condução da economia apenas beneficia os ricos e os poderosos (Financial Times, ontem).
A zona do euro resistiu a uma crise econômica que quase a esfacelou em 2012 e vem agora da política a maior ameaça no mesmo sentido, com o avanço dos partidos anti-bloco na Holanda, França e Itália. Há muitas diferenças entre as condições que propiciaram a eleição de Trump no EUA e as que tornariam possível a vitória dos direitistas no coração da Europa, mas são as coincidências que preocupam. Trump fugiu à tradição de buscar o centro do espectro político, e se colocou como candidato anti-establishment, algo também feito com menos alarido pela esquerda democrata com a candidatura de Bernie Sanders. O centro não resistiu.
O sistema eleitoral francês, porém, torna muito difícil que um político novato faça uma arrancada fulminante para o poder. A eleição em dois turnos incita a união de todos adversários contra um, o favorito. E é relevante notar que Trump não ganhou na contagem de votos nas urnas.
Mas a França reúne condições políticas que tornam pelo menos plausível uma vitória da Frente Nacional, embora as pesquisas que apontam Marine como favorita no primeiro turno a deem como perdedora no segundo turno pelos principais candidatos na disputa.
A impopularidade do socialista François Hollande levou o Partido Socialista a consagrar nas primárias como candidato um líder de sua ala esquerda, Benoît Hamon. Os ventos que sopram no país não são favoráveis à esquerda, e ganhou peso outra defecção no PS, a do ex-ministro da Economia, e ex-executivo do banco Rothschild, Emmanuel Macron. Independente, simpatizante da terceira via, criou o movimento En Marche e é o segundo colocado nas pesquisas.
As chances de Macron cresceram com o escândalo envolvendo o até então favorito, o direitista François Fillon, ex-primeiro ministro, que derrotou o veterano Nicolas Sarkozy nas prévias do partido Republicano. Depois de tergiversar, Fillon reconheceu que sua mulher e dois filhos receberam pelo menos € 880 mil por emprego de assessores parlamentares sem que eles jamais tenham aparecido para trabalhar.
Macron pode erigir uma barreira forte que impeça a vitória de Marine Le Pen. Aparece como um outsider entre os candidatos de forças tradicionais da política francesa e seu discurso liberal é capaz de atrair o apoio das alas à direita do PS, que perderam a prévia com Manuel Valls, e também a parcela mais moderada da direita que, com o fiasco de Fillon, não quer votar na Frente Nacional. Macron certamente contaria, em um segundo turno, com o apoio do candidato socialista.
As chances de Marine são menores com a recuperação em marcha na zona do euro, embora Trump tenha vencido com um discurso de que os EUA viviam no pior dos mundos, mesmo com o país em crescimento. Não são desprezíveis, porém, diante de um candidato inexperiente como Macron, da direita com seu candidato em frangalhos e de uma esquerda dividida entre socialistas e Jean-Luc Mélenchon, que concorreu pelo PS em 2012 e recebeu 11% dos votos. Os atentados terroristas na França em 2016 dão maior visibilidade a seu discurso anti-imigração. Ainda que pouco provável, Marine Le Pen tem hoje a sua maior oportunidade de conquistar o poder.
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