Correio Braziliense
Há dois tipos de políticos: os que veem a política como negócio e os que defendem o bem comum. Essa era diferença entre a direita e esquerda no Congresso, até o PT assumiu o poder
Eis uma velha canção tropicalista que surgiu após os protestos de 1968 e a nuvem negra do Ato Institucional nº5, da lavra de Jards Macalé, com sua voz rouca e levada forte de violão: “Aos 15 anos eu nasci em Gotham City / Era um céu alaranjado em Gotham City / Caçavam bruxas nos telhados de Gotham City / No dia da independência nacional / Cuidado! Há um morcego na porta principal / Cuidado! Há um abismo na porta principal”. Foi lançada em 1969, no 4º Festival Internacional da Canção, e faz parte do disco Só Morto”. Uma alegoria da ditadura, o morcego era o Ato Institucional nº 5, de 13 de dezembro de 1968.
Lembrei do morcego ao conversar com o líder do PT na Câmara, Carlos Zarattini (SP), que denuncia: “Estão preparando um golpe dentro do golpe!”. O petista põe a culpa no presidente do PSDB, Aécio Neves (MG). “Ele criou essa situação ao não aceitar o resultado da eleição”, uma alusão à ação dos tucanos que pede a cassação da chapa Dilma Rousseff-Michel Temer. É que o ministro Herman Benjamin prepara o relatório sobre o caso para o julgamento no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Com a tomada dos depoimentos dos delatores da Operação Lava-Jato, nove entre 10 juristas do país apostam no pedido de cassação de Temer.
Sabe-se que o tempo da Justiça não é o tempo da política. Da mesma forma como o presidente do TSE, ministro Gilmar Mendes, pode dar ao julgamento um ritmo menor ou maior, no Congresso, o tempo voa quando a maioria quer tomar as rédeas do destino político do país. O “golpe dentro do golpe”, na avaliação de Zarattini, seria a cassação de Temer e a eleição indireta de um novo presidente. Ou seja, uma espécie de abismo na porta principal.
Zarattini é um dos líderes moderados do Congresso, embora faça o discurso que a tropa petista gosta de ouvir. É hoje o principal interlocutor do PT junto às Forças Armadas e tem consciência de que chegou a hora de buscar um entendimento para evitar a implosão do sistema político-partidário. Essa operação é incompatível com a retórica petista nas redes sociais, cuja responsabilidade cabe ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ao antecipar a candidatura e estimular as palavras de ordem “Fora, Temer!” e “Diretas Já”! O próprio Lula, porém, sabe disso e manda sinais de fumaça para Michel Temer e o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. O problema é que a confiança entre eles não existe, somente a necessidade de sobrevivência dos seus partidos.
“No céu de Gotham City há um sinal / Sistema elétrico e nervoso contra o mal / Meu amor não dorme, meu amor não sonha / Não se fala mais de amor em Gotham City”. O clima no Congresso é completamente noir. Bandidos e mocinhos estão com medo de morrer na luta entre o bem e o mal. A Operação Lava-Jato, com as delações premiadas da Odebrecht e o julgamento da ação do PSDB contra a chapa Dilma-Temer, trouxe para o centro do debate a criminalização do caixa dois eleitoral via doações legais. E o protagonismo do Ministério Público e da Justiça Eleitoral tornou-se momentaneamente absoluto. “Não pensem que é só a Lava-Jato, há centenas de prefeitos recém-eleitos sendo afastados pelo país inteiro por decisões judiciais sobre abuso de poder econômico e uso de caixa dois eleitoral”, destaca Zarattini.
Rivotril
Na sexta-feira, havia advogados de plantão em Brasília e jornais contratavam reforços para fazer matérias sobre as denúncias dos políticos citados nas delações premiadas da Odebrecht. Na véspera, a assessoria de imprensa do Supremo Tribunal Federal havia solicitado às redações que providenciassem dois Hds de 1 terabyte cada para salvar os documentos e vídeos dos depoimentos. Um show midiático era esperado, tendo como protagonista o procurador-geral da República, Rodrigo Janot. Foi a noite do rivotril para os políticos enrolados, um ansiolítico da classe dos benzodiazepínicos (faixa preta). A medicação tem prescrição restrita porque afeta a memória, pode causar dependência e levar à depressão.
No começo da tarde, o anúncio foi adiado. O medo aumentou. O MPF pretende denunciar os políticos nos seguintes casos: se o financiador eleitoral admitir, em delação premiada, que a origem do dinheiro era propina em negócio fraudulento; disser que o dinheiro visava favores no Congresso; se o político não declarar em todo ou parte a doação recebida; e/ou ajudar a aprovar um ou mais projetos de interesse de quem fez a doação. Ou seja, vai sobrar para quase todo mundo.
Na democracia, já dizia Max Weber, há dois tipos de políticos: os que veem a política como negócio e os que defendem o bem comum. Essa era a diferença entre direita e esquerda no plano da atuação parlamentar. Depois que o PT assumiu o poder, essa linha divisória quase deixou de existir. Deu no que deu. Acabar com isso no capitalismo, porém, é revogar a lei da gravidade.
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