- O Estado de S. Paulo
O comércio exterior pode ser um teste do alcance e do sucesso da pauta de reforma
Quebra-galho em tempos de aperto, quando a clientela nacional fica arredia: essa continua sendo a principal serventia do mercado externo para boa parte das indústrias brasileiras. Com a recessão brava no ano passado, empresários mais uma vez saíram atrás de negócios no exterior. É preciso levar em conta esse dado para explicar a participação das vendas externas no faturamento industrial, em 2016. Outros fatores, como o câmbio mais favorável, podem ter pesado, mas a contração das operações locais foi certamente um estímulo importante.
A variação foi medida num levantamento periódico da Confederação Nacional da Indústria (CNI). Entre 2014 e 2016 o coeficiente de exportação passou de 14,3% a 19,3%, a preços correntes, e de 12,1% a 16,3% a preços constantes. O aumento das vendas de manufaturados já havia sido mostrado nas estatísticas oficiais de comércio exterior. Mas as notícias seriam muito mais animadoras se indicassem uma tendência. É cedo, no entanto, para apostar nisso.
O comércio exterior é um dos testes de seriedade para a economia brasileira e para os políticos nacionais. Abertura e poder de competição podem ser variáveis importantes para medir tanto a qualidade das políticas e das instituições quanto a eficiência, o potencial e a modernidade do sistema produtivo. O País tem sido reprovado nesse tipo de teste – e com retrocesso inegável na fase terceiro-mundista implantada a partir de 2003.
O Brasil continua sendo uma das dez maiores economias do mundo, mas no comércio internacional é ainda uma figura modesta, com participação de 1,2% nas exportações totais de mercadorias. O País aparece em 25.º lugar na lista de exportadores, no último balanço publicado pela Organização Mundial do Comércio (OMC).
Sem surpresa, China, Estados Unidos, Alemanha, Japão e Holanda aparecem nos primeiros postos, controlando 38,2% da receita de vendas.
Também nas importações a participação brasileira é minúscula, 1,1%. A classificação, publicada em 2016, contém números do ano anterior, mas a data faz pouca diferença. A posição do País pouco tem variado, oscilando ligeiramente de um ano para outro. O Brasil é fechado tanto para importações quanto para exportações.
Do lado das compras há barreiras tarifárias muito altas, além de obstáculos criados em nome de políticas industriais superadas. O novo governo apenas conseguiu reduzir, sem eliminar, o protecionismo vinculado aos critérios de conteúdo nacional para insumos e equipamentos destinados ao setor de petróleo. Essa política, implantada pela administração petista, encareceu as operações da Petrobrás, atrasou projetos e diminuiu a capacidade de investimentos da empresa, além, é claro, de facilitar a corrupção, normalíssima num ambiente de compadrio.
O protecionismo, arremedo de política industrial dos anos 1950 e 1960, estimulou aventuras custosas. Um dos maiores fiascos foi o da Sete Brasil. Criada especialmente para fornecer equipamentos à estatal – com participação de capitais públicos e privados –, acabou pedindo recuperação judicial.
O novo governo surgiu com promessas de grandes mudanças, com maior seriedade na administração federal, conserto das contas públicas e maior esforço de integração nos mercados globais. Para isso seria preciso abandonar o terceiro-mundismo requentado, esquecer a fantasia da integração preferencial com as economias emergentes e em desenvolvimento e buscar parcerias mais ambiciosas e diversificadas.
Um dos passos iniciais seria uma sacudida no Mercosul, emperrado a partir da desastrosa aliança do lulismo com o kirchnerismo. Com a eleição do presidente Mauricio Macri, na Argentina, a tarefa deveria ser facilitada. Mas nenhuma inovação concreta ocorreu até agora, embora as promessas de mudança permaneçam e o presidente argentino se declare disposto a liderar a conclusão, muito atrasada, do acordo comercial com a União Europeia. Segundo os mais otimistas, tudo será resolvido neste ano ou, no máximo, no próximo. Mas no próprio Mercosul as mudanças apenas começaram, com a eliminação parcial de barreiras do lado argentino.
Como o Mercosul é uma união aduaneira, os governos do bloco terão de se unir na busca de acordos comerciais mais ambiciosos. Será preciso, especialmente no Brasil e na Argentina, enfrentar a resistência de empresários acostumados há muito tempo a esquemas de proteção e ao conforto de economias fechadas. Muitos cobram políticas para aumento da competitividade, mas há uma distância considerável entre essa cobrança e a disposição efetiva de concorrer no mercado. O dado mais animador é a existência, pelo menos no lado brasileiro, de um grupo de indústrias de vários setores com atuação permanente no mercado internacional. Essas empresas têm continuado a exportar, apesar das barreiras encontradas já no País – burocracia, impostos irracionais, sistema tributário complicado, baixo preparo da mão de obra e infraestrutura muito ruim, para citar só alguns problemas. Reclama-se muito do câmbio, mas o câmbio flutua e às vezes ajuda, enquanto aqueles obstáculos atrapalham continuamente.
Uma abertura maior criará estímulos tangíveis à solução de velhos problemas. A agenda relevante vai muito além da pauta de reformas do governo Temer. Envolve, por exemplo, uma nova concepção de orçamento, novos padrões de gestão pública e mudanças tributárias muito mais amplas que aquelas indicadas até agora. Será preciso enfrentar um assunto politicamente difícil, o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), da competência dos Estados.
Por uma coincidência fácil de entender, o sucesso de qualquer pauta de reformas será essencial tanto para a solução de problemas internos quanto para o aumento do poder de competição da economia nacional. A preferência pelo conforto será a consagração do fracasso.
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