- O Globo
O Brasil tem que fazer a reforma da Previdência. Não por este governo ambíguo e de transição, mas pelo país. Já deveria ter feito e todas as propostas foram sendo aguadas pela tibieza dos políticos, e pela força de grupos de pressão que, mesmo sendo minoritários, têm mais acesso ao poder. O então deputado Michel Temer ajudou a enfraquecer a reforma sugerida por Fernando Henrique.
Temer foi o relator da reforma que ficou tão fraca que precisou da gambiarra do fator previdenciário. Agora, ele é que enfrenta a pressão de sua base para enfraquecer a proposta que apresentou. Nenhuma reforma é isenta de defeitos, mas o que está errado na atual exigiria mais reforma e não menos. Um ponto necessário seria sua ampliação para os militares. Nada, a não ser a velha covardia dos líderes civis diante das Forças Armadas, explica a exclusão dos militares de uma proposta que deveria incluí-los. Eles não são uma casta superior.
Os números mostram que o Brasil corre em direção a um muro. Podemos nada fazer e recolher os estilhaços após a colisão. Podemos ouvir a confortável história de que o déficit da Previdência é mentira. A conta da ilusão soma as contribuições previdenciárias com os impostos para financiar seguridade e, assim, diz que sobra dinheiro. Podemos acreditar nessa quimera. Isso não removerá o muro no qual vamos nos abalroar. E depois da batida teremos que fazer a dolorosa escolha entre nossos velhos e nossas crianças.
O Brasil é país jovem com 86% de pessoas com menos de 60 anos, quase 40% na faixa entre zero e 24 anos. Podemos vergar sob o peso da nossa insensatez ou enfrentar as reformas. Tudo fica mais difícil porque o governo que comanda essa mudança no momento tem contradições demais. Líderes que nos propõem alterar o sistema são beneficiários das regras antigas. Do presidente da República, que se aposentou aos 55 anos, a quase todos os seus auxiliares diretos, ao presidente do Banco do Brasil, Paulo Caffareli, que tem hoje 52 anos, mas já está aposentado há algum tempo. Com seu rosto jovem e cabelo salpicado por raros fios brancos, admitiu para mim numa entrevista que se aposentou ao cumprir seu tempo.
O problema é este. O Brasil distribuiu direitos insustentáveis e quem se aproveitou dele foi exatamente a elite. Temer quando se aposentou aos 55 era próspero advogado e parlamentar. Hoje diz que foi precoce, mas nunca propôs rever o erro que o fez receber dos cofres públicos durante os últimos 20 anos.
Essa contradição é insanável. Há na elite gente demais recebendo o imerecido e foi isso que quebrou a Previdência. Não foram os pobres. Eles se aposentaram mais tarde. Os que sempre ganharam mais e tiveram mais oportunidades no mercado de trabalho formal é que se aposentaram prematuramente. O Brasil não é desigual por acaso. Ele escolhe a desigualdade com argumentos em favor de favorecidos. Líderes de grupos e corporações defendem seus interesses como se fossem do povo. Mas o povo permanece em seu desamparo.
Juízes, políticos e militares que se aposentaram no passado com vantagens abusivas estão blindados pelo princípio do “direito adquirido”. Eles são legais, mas ilegítimos. Quem hoje acumula aposentadorias poderá continuar se lambuzando com o seu quinhão. E há até quinhão hereditário na terra das capitanias. Os que se aproveitam da injustiça previdenciária foram eficientes em fantasiar seu privilégio como defesa da ordem jurídica. Então ninguém mexerá nos direitos adquiridos, mas eles são abusivos.
A idade mínima é o mínimo para começar uma nova ordem que se sustente no tempo. E ela precisa ser igual para homens e mulheres. É preciso reduzir as aposentadorias especiais porque cada setor se sente especial. A reforma está certa em sua direção, com a falha de ter deixado de lado — por covardia, repito — os militares. Temer estará fora mais dia ou, quem sabe, até em menos dia. Mas o desafio de equilibrar as necessidades de gastos do Estado brasileiro com os impostos que pagamos permanecerá conosco. Não é do governo que se trata. É do país. A Previdência quebrou e o país é jovem. E agora? Podemos continuar em negação ou encarar a realidade.
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