Decisão do Supremo será analisada no julgamento da chapa Dilma-Temer
Tribunal Eleitoral já colheu 52 depoimentos no processo iniciado em dezembro de 2014
Ministros do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) disseram ao GLOBO que, no julgamento da chapa Dilma-Temer, deverá ser levado em consideração o entendimento da Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) de que doação oficial de campanha não legaliza dinheiro de propina. Para esses ministros, ouvidos por Carolina Brígido a chapa poderá ser cassada se for comprovado o recebimento pelo caixa 1, na eleição de 2014, de dinheiro do esquema de corrupção na Petrobras.
TSE de olho no caixa 1
Corte vai analisar se houve uso de dinheiro ilícito em doações oficiais à chapa Dilma-Temer
Carolina Brígido | O Globo
-BRASÍLIA- Ministros do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) devem levar em consideração o entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre propina disfarçada de doação legal de campanha no julgamento da chapa de Dilma Rousseff e Michel Temer. Na semana passada, a Segunda Turma do Supremo, que julga os processos da Lava-Jato, decidiu que pode ser considerado crime receber dinheiro de origem ilícita e, para “lavar” os recursos, declarar à Justiça Eleitoral como doação. Caso o mesmo entendimento seja adotado pelo TSE, e se ficar comprovado no processo que a campanha presidencial de 2014 recebeu dinheiro desviado da Petrobras, a chapa pode terminar cassada.
No TSE, existem ministros que consideram grande a chance de condenação da chapa, por conta do excesso de provas elencadas no processo até agora. Já foram 52 depoimentos, além dos documentos recolhidos ao longo da investigação, que começou em dezembro de 2014, logo depois das eleições. No entanto, outro grupo de integrantes do tribunal considera temerário para o país cassar, nesse momento, também o vice da chapa, o atual presidente que herdou o mandato depois de um processo de impeachment. Isso “quebraria” o Brasil, na avaliação de um ministro.
Historicamente, o TSE não costuma cassar o mandato de governadores influentes, muito menos presidente da República. Normalmente, condenações desse tipo atingem prefeitos de cidades pequenas. Antes do julgamento da chapa, devem ser levados ao plenário do tribunal processos contra dois governadores, um deles Marcelo Miranda, do Tocantins. As ações teriam elementos semelhantes ao processo contra Dilma e Temer. Seria uma forma de o tribunal se preparar para o enfrentamento do caso. Ou seja, verificar se, no caso de uma punição à chapa, apenas o titular deve ser punido, separando as contas para livrar o candidato a vice.
MEMBROS DA CORTE ESPERAM RELATÓRIO
O relator do processo, ministro Herman Benjamin, tinha previsão de liberar o processo para votação em plenário até meados de abril. Mas, com a recente inclusão de depoimentos de dez delatores da Odebrecht, o plano deve ficar frustrado. Boa parte dos ministros do tribunal nem começou a ler o processo, que já contabiliza 23 volumes. Alguns não querem começar a analisar o caso antes da conclusão das investigações, para não se contaminarem com juízos de valor prévios.
Na expectativa do julgamento, os ministros do TSE não conversam entre si sobre o assunto e, por isso, não têm ideia de como os colegas votarão. Muitos ainda não sabem como vão votar. Por isso, qualquer especulação sobre o resultado é considerada arriscada.
Um ministro do TSE disse que, nesse caso, não é possível votar considerando a manutenção da integridade das instituições porque, se as provas forem mesmo contundentes, uma absolvição desmoralizaria o Judiciário.
Os ministros ouvidos pelo GLOBO consideram inevitável que a discussão sobre propina disfarçada de doação eleitoral permeie o julgamento do TSE. A título de exemplo, um delator da Lava-Jato, o engenheiro Augusto Ribeiro Mendonça Neto, da Setec Tecnologia, disse em depoimento ao tribunal que parte da propina cobrada por Renato Duque, ex-diretor de Serviços da Petrobras, foi paga na forma de doação oficial ao PT. O dinheiro era desviado dos contratos de empresas com a Petrobras. Segundo o empresário, foram doados formalmente R$ 6 milhões, entre 2008 e 2012.
“O Renato Duque me pediu para pagar algumas parcelas ao Diretório do PT. Então, para fazer esses pagamentos, eu tive contato com João Vaccari, na época, e combinei de fazer alguns pagamentos a ele, e de fato foram feitos”, disse o depoente. Questionado se as doações foram registradas legalmente, ele respondeu: “Então, foi exatamente essa que ele me pediu, nós fizemos uma doação legal registrada”.
Em outro momento do depoimento, ele reafirmou a manobra financeira: “Elas (as doações) foram pedidas pelo Renato Duque e eram parte do dinheiro que nós havíamos nos comprometido a entregar a ele. Então, ele pediu que fosse feito ao PT, e nós fizemos ao PT”.
A tese das propinas travestidas em doações eleitorais tem peso diferente na esfera criminal e na esfera eleitoral. Em um processo criminal, seria preciso provar o dolo — ou seja, que o político sabia da origem espúria do dinheiro — para haver condenação. No processo eleitoral, basta comprovar que o dinheiro tinha origem ilegal, sem a necessidade de provar se Dilma e Temer sabiam disso, para haver cassação da chapa.
No entanto, o fato de os dois saberem ou não seria decisivo para determinar a inelegibilidade. Eles só perderiam o direito de serem eleitos pelo prazo de oito anos se ficar comprovado que conheciam a origem ilegal dos recursos. Essa pena é individual — portanto, em tese, seria possível só um deles ficar inelegível, e o outro, não.
Normalmente, o TSE cassa a chapa inteira em processos desse tipo — ou seja, o titular do mandato e o vice. A defesa de Temer já pediu ao tribunal que a análise das doações de campanha seja dividida — neste caso, Dilma responderia pelos recursos repassados ao PT, e Temer, ao PMDB. O TSE ainda vai decidir se essa tese é possível. Em caso positivo, Temer poderia sair ileso do processo, já que a maior parte dos indícios compilados até agora comprometeriam apenas o PT. Se Temer perder o mandato, o Congresso Nacional convocaria eleições indiretas para escolher um substituto para ficar no comando do país até o fim de 2018.
Além das doações declaradas, o caixa dois também pode complicar a situação da chapa presidencial. Em depoimento prestado ao TSE, o empresário Ricardo Pessoa, dono da UTC, disse que pagou R$ 24 milhões para o ex-tesoureiro do PT João Vaccari Neto, sendo R$ 3,9 milhões por caixa dois. Os depoimentos da semana passada de executivos da Odebrecht foram o último ato do relator para instruir a investigação. Como as oitivas estão sob sigilo, não se sabe se algum delator falou em propina revestida em doação eleitoral para a chapa Dilma-Temer. Mas sabe-se que falaram de doações em caixa dois.
Agora, as defesas do PT, PMDB e PSDB, autor da ação, podem pedir contraprovas — ou seja, novos depoimentos para esclarecer algum ponto específico, a apresentação de documentos ou, ainda, perícia em alguma prova apresentada. Caberá a Herman Benjamin negar ou conceder os eventuais pedidos. Há ainda a possibilidade de as defesas pediram a anulação dos depoimentos da Odebrecht. Caso esse pedido seja apresentado, e rejeitado pelo relator, as partes ainda teriam o direito de recorrer ao plenário do TSE. E, diante de nova derrota, apelar ao Supremo Tribunal Federal (STF).
ATÉ NOVO RELATOR PODE ASSUMIR O CASO
Ainda que as defesas tenham todos os pedidos negados, essa movimentação já terá força para empurrar o julgamento para além de abril. Isso pode atrasar ainda mais o caso, porque, no próximo mês, termina o mandato do ministro Henrique Neves e, em maio, da ministra Luciana Lóssio. No caso do relator, o prazo do mandato no TSE termina no dia 27 de outubro. Mas como está no primeiro biênio no tribunal, Herman Benjamin ainda pode permanecer na corte por mais dois anos. Se o processo se estender para além de outubro, e Benjamin preferir ficar apenas no Superior Tribunal de Justiça (STJ) — sua corte de origem — outro relator teria que assumir o caso. Nessa hipótese, o mais provável seria que o mandato de Temer terminasse antes de o julgamento ser realizado.
Na última sexta-feira, Benjamin promoveu uma acareação entre quatro ex-dirigintes da Odebrecht. O principal objetivo é esclarecer como foi o acerto da empresa com Michel Temer para doação eleitoral em 2014. Num jantar no Palácio do Jaburu, Temer recebeu Marcelo Odebrecht e pediu ajuda financeira para o PMDB. Segundo Claudio de Melo Júnior, ex-diretor da empreiteira, logo após esse encontro foi acertada doação de R$ 10 milhões ao partido.
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