- O Estado de S.Paulo
Qual teria sido a previsão do mercado financeiro sobre a reação dos preços dos ativos se, alguns dias antes de iniciada a atual crise política, surgisse a informação de que a queda do suporte político a Temer poderia inviabilizar a aprovação da reforma da Previdência ou mesmo o prosseguimento de seu governo? Com base na experiência de crises anteriores, a aposta majoritária seria de uma forte depreciação cambial que, no entanto, não ocorreu. Por quê?
A primeira razão está no reconhecimento de que, diferentemente do ocorrido em crises anteriores, a equipe econômica é competente e dispõe dos instrumentos para intervir pesadamente nos mercados. Mas nos últimos dias não ocorreram intervenções e ainda assim a volatilidade do real foi muito baixa. A outra, com um peso muito maior, está na a crença de que – por um caminho ou por outro – a saída de Temer não deverá colocar em risco a continuidade da agenda de reformas.
Seria reconfortante se tivéssemos certeza de que este é o diagnóstico correto. Não é esta, contudo, a previsão dos que sugerem que Temer teria sido vítima de uma conspiração urdida pelos que não querem a aprovação da reforma da Previdência, interrompendo a agenda de reformas. Tenho profunda antipatia por teorias conspiratórias, mas tenho de levar a sério outras duas hipóteses com efeitos muito semelhantes. A primeira é que Temer não caia, permanecendo agarrado ao cargo em uma situação de baixa governabilidade. A segunda é que seja eleito um novo presidente que não tenha força política para fazer progredir a aprovação das reformas. Em qualquer destes casos, o cenário político é muito desfavorável para o comportamento da economia.
A curto prazo, o mercado financeiro ainda se anima com o prosseguimento da queda dos juros, mas tem de reconhecer que a instabilidade política eleva os riscos sobre os próximos passos da política monetária e torna obscuras as perspectivas sobre a retomada do crescimento.
O cumprimento da meta do resultado primário no próximo ano depende crucialmente do aumento da receita, que terá de ser gerado pela retomada do crescimento combinada com a elevação de tributos, criando a perspectiva de reversão da dinâmica perversa da dívida pública. Contudo, a elevação de impostos é tanto mais difícil quanto menor for o suporte político ao governo, e é sintomático que o agravamento do quadro político tenha levado as agências de classificação de risco (S&P e Moody’s) a colocar o rating soberano brasileiro em um outlook negativo, com elevada probabilidade de se transformar em um novo rebaixamento, e que este movimento já foi antecipado pela elevação das cotações do CDS brasileiro.
Pior ainda são as consequências da interrupção das reformas. A queda da taxa de juros é importante para estimular a atividade econômica, mas não pode, sozinha, garantir uma aceleração sustentada do crescimento. Para tanto é necessário que se consolide o ajuste fiscal, o que depende crucialmente da aprovação da reforma da Previdência e de uma profunda revisão no sistema tributário, eliminando isenções que são direcionadas a grupos de pressão com consequências econômicas altamente negativas. São também necessárias, no mínimo: a aprovação da reforma trabalhista; a reativação dos investimentos em infraestrutura com base na mobilização de recursos privados sem onerar o Tesouro com subsídios; e o avanço no campo das reformas microeconômicas.
Ciclos econômicos e ciclos políticos se autoalimentam, e uma piora nas perspectivas de crescimento em 2018 aumenta a probabilidade de eleição de um governo populista, o que eleva os riscos e piora ainda mais as condições para a execução da política econômica, fechando-se um círculo vicioso. O que se espera é que a tomada de consciência sobre a gravidade da crise leve as forças políticas a priorizar o que é melhor para o País, e não a defesa de interesses particulares de grupos políticos. No momento, isso significa encontrar uma solução rápida para a crise política, com a eleição indireta de um presidente que tenha senioridade política e que aglutine forças na direção de continuidade da agenda de reformas.
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*Ex-presidente do Banco Central e sócio da AC Pastore & Associados
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