terça-feira, 30 de maio de 2017

A distância entre o ideal e o possível | Jorge Bastos Moreno

- O Globo

Antecipação das eleições diretas, além de praticamente impossível, não interessa a nenhum partido, nem aos que lideram o movimento

Muitos amigos meus da área do entretenimento estão sendo convocados por ilustres líderes de oposição a participar de uma campanha por eleições diretas. Inquestionável por natureza, a consulta popular direta é o caminho mais democrático, justo e seguro para eleger os homens públicos, principalmente o presidente da República. Só que, nas atuais circunstâncias, é o atalho paradoxalmente mais longo para desalojar um presidente que enche de opróbrio uma Nação.

Não vou nem entrar no mérito da constitucionalidade ou não dessa campanha neste momento, já que a vontade do povo deve estar acima de todas as leis e da vontade da minoria que se vale da Constituição para apenas trocar o ocupante da cadeira de presidente, não os seus métodos. Falo com a autoridade de quem acompanhou toda a campanha das “Diretas Já” — desde o seu primeiro e tímido comício em Goiânia às memoráveis concentrações do Vale do Anhangabaú, em São Paulo, e da Candelária, no Rio, e à votação da emenda Dante de Oliveira, no dia 27 de abril de 1984 — e de ter sido, com muita honra, assessor do “Senhor Diretas”. Portanto, eleições diretas estão no meu sangue, nas minhas convicções democráticas. Foram no mínimo cinco meses de campanha, a maior de toda a História do país, e, apesar do seu êxito, o Congresso derrotou o povo.

O governo Temer deve estar feliz com essa campanha que se engatinha pelo país. A do Rio, no domingo, foi um bom começo. A de São Paulo promete ser maior. Maravilha! Por mais que se tente acoplar o “Fora, Temer” ao movimento por diretas, são duas coisas incompatíveis ao mesmo tempo. Eleições diretas necessitam de um longo processo de tramitação no Congresso e do apoio de três quintos dos parlamentares. Isso ninguém tem: nem o governo Temer e a oposição, separados, e há os que duvidam que até juntos.

Com a campanha pelas diretas agora, o “Fora, Temer” perde o foco. A sangrenta ditadura militar, que matou, torturou e exilou centenas de brasileiros, não foi derrubada pelas “Diretas Já”, mas pela argúcia da oposição, que usou do seu próprio veneno, a eleição indireta, para esmagá-la. E conseguiu.

— Vamos ao colégio eleitoral para destruílo e, como ele, a própria ditadura — resignou-se na época Ulysses Guimarães, que era inicialmente contra a candidatura de Tancredo Neves. Já este justificou assim seu pecado:

— Vou botar um lenço no nariz para atravessar nesse fétido colégio eleitoral.

O povo brasileiro não precisa fazer nada disso. Basta ir paras as ruas exigir a saída imediata do presidente Temer. Não importa de que jeito. Os políticos que resolvam. As eleições diretas que meus amigos pedem estão logo ali na esquina. Sua antecipação, além de ser praticamente impossível, não interessa a nenhum partido, nem aos dos que estão à frente desse movimento. E os políticos que estão comandando essa campanha sabem disso. Isso é que é grave.

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