A farsesca Constituinte venezuelana nem sequer procurou afetar algum objetivo mais elevado.
Antes de completar duas semanas de atividade, o colegiado chavista já se arvorou a tomar para si as prerrogativas da Assembleia Nacional, o Legislativo do país, onde a oposição ao regime de Nicolás Maduro dispõe de maioria.
Formalizou-se a medida, na sexta (18), por meio de decreto, cujo texto, como não poderia deixar de ser, mereceu aprovação unânime dos membros da Casa –escolhidos, afinal, a partir de regras tão esdrúxulas quanto desenhadas sob medida para favorecer o governismo.
Entre os 545 supostos constituintes, um terço veio de sindicatos e outras organizações amplamente aparelhadas pelo Estado; o restante se compõe de representantes de todos os municípios, sem levar em conta o tamanho das populações.
Não espanta que só uma minoria, de dimensões obscuras, tenha comparecido às urnas para legitimar o embuste, ao qual não faltou o toque de ridículo da eleição da mulher e do filho de Maduro.
O caudilho nunca aceitou a vitória oposicionista no pleito parlamentar de dezembro de 2015 –a primeira do gênero após 16 anos de chavismo. Na escalada de intimidações à Assembleia Nacional, os ritos e valores mais básicos da democracia foram sendo aviltados.
De início se buscou, com a intervenção de um Judiciário servil ao Executivo, impedir a posse de três deputados que formariam uma maioria capaz, por exemplo, de alterar a Constituição.
Depois, já no final de março deste ano, o mesmo Tribunal Supremo de Justiça intentou usurpar as funções do Legislativo, só recuando depois da péssima repercussão internacional. A partir daí, uma onda de manifestações de rua sacudiu o país, resultando em mais de uma centena de mortos.
Chega-se agora à manobra mais descarada, sob o pretexto risível de reformar a Carta aprovada em 1999 pelos próprios bolivarianos.
Esta Folha, como se sabe, passou a tratar Nicolás Maduro por ditador. Seu arremedo de Constituinte faz jus ao epíteto de golpe, termo infelizmente banalizado em arengas políticas no Brasil.
Dadas a deterioração institucional, a repressão a opositores e seu propósito de perpetuar-se a todo custo, o regime seria uma ditadura mesmo que a Venezuela passasse por um momento de prosperidade material e satisfação popular.
Vivendo calamidade econômica e social, o país serve como demonstração didática das tragédias que podem ser produzidas por governos que não se submetem aos freios e contrapesos da democracia.
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