segunda-feira, 29 de janeiro de 2018

Fernando Limongi: Um brasileiro como os outros?

- Valor Econômico

Moro e Gilmar não trataram Lula como um político comum

O TRF-4 não amaciou. Confirmou a sentença da primeira instância. Não houve divergência nem nas penas, fechando as portas para recursos protelatórios. A candidatura de Lula, contudo, mesmo que tenha poucas chances de sobrevivência, continua a melhor opção para o PT. O tal 'Plano B' é insistir até onde der com Lula; registrar a candidatura e esperar a manifestação contrária. Lula terá que ser retirado da disputa e o efeito desta estratégia, para os ambos os lados, é questão aberta.

As reações à decisão foram as esperadas. Comemoração de um lado, revolta do outro. Um grupo menor, talvez o mais radicalizado, viu rigor excessivo, não por achar Lula inocente, mas pensando nos amigos do peito. Afinal, se a moda pega, os 'Aécios' e 'Aécinhos' Brasil afora podem ser as próximas vítimas.

Para os petistas, este temor seria infundado. A máquina de moer montada pelo Poder Judiciário teria alvo único, o PT. E para matar de vez o partido seria necessário bloquear a candidatura de Lula.

O procurador Carlos Fernando, um dos arquitetos da Lava-Jato, em artigo publicado na "Folha de S. Paulo", no dia seguinte à condenação, afirmou que a decisão unânime do TRF-4 lhe trouxe "tranquilidade" para "poder falar de um julgamento que é, e sempre foi, apenas e unicamente criminal." Criticando a tese - defendida antes do julgamento por vários políticos, Geraldo Alckmin incluído - de que melhor seria se Lula fosse julgado pelas urnas e não pela Justiça, afirmou que defender esta tese é pretender conferir "aos atores políticos o privilégio de serem julgados diferentemente dos demais brasileiros." O raciocínio, conclui o procurador Carlos, "por pressupor desconfiança do sistema de Justiça, é a base do silogismo que justifica o foro privilegiado."

Mas vejamos se o PT tem razões para manter sua 'desconfiança no sistema de Justiça' e afirmar que Lula não foi tratado como os 'demais brasileiros'. Se leram com atenção "O Estado de S. Paulo" do dia 25, os petistas encontraram a manchete que pediam para alimentar sua desconfiança: "Raquel pede o arquivamento de inquérito contra Serra". Segundo a notícia, escondida no canto baixo da página A14, dos R$ 20 milhões repassados por Joesley Batista, o então governador só prestou contas de R$ 13 milhões à Justiça Eleitoral.

Dodge pediu arquivamento, pois, como o acusado tem mais de 70 anos, o prazo de prescrição do delito é de 6 e a pena máxima de 5 anos. "Desde o requerimento de abertura do inquérito, o fato estava prescrito" escreveu a procuradora-geral.

Para petistas, os tratamentos diversos dispensados a Lula e a Serra seriam uma das muitas provas do viés partidário do Judiciário. Lula também tem mais de 70 anos e os cargos ocupados, para bater a linha de argumentação usada em Porto Alegre, não são assim tão diferentes. Pena máxima só de 5 anos? Onde está a isonomia?

Juristas não terão dificuldades para explicar as diferenças. Por exemplo, a prescrição de pena leva em conta a idade do réu no momento da denúncia e não a que tinha na ocasião do crime. Detalhes da lei e dos crimes de que são acusados, e não viés da Justiça, explicariam porque, se candidato fosse, Serra não teria sua candidatura à Presidência negada.

O procurador Carlos há de convir que não é fácil que petistas engulam que a Justiça está tratando Lula e Serra da mesma forma. Mas não só Serra: Aécio, Temer, Geddel e mesmo Cunha também podem se candidatar. Lula não. As evidências, portanto, não são favoráveis à tese da neutralidade da Justiça. Como explicar que Lula venha a ser, em toda história politica brasileira, o único candidato com chances reais de ser eleito a ter sua candidatura obstada por decisão judicial?

Ao mencionar o foro privilegiado, o procurador pôs o dedo na ferida. Aí reside a diferença fundamental entre Lula e os demais políticos. O ex-presidente não contou com a proteção do foro privilegiado.

Dito de forma inversa: é líquido e certo que a candidatura Lula não estaria à beira de sua inviabilização legal caso seu processo corresse no STF. Por não ter foro privilegiado, Lula se tornou um brasileiro como os demais. Assim, a questão central para este debate passa a ser esta: por quê Lula não obteve esta proteção?

A resposta é simples e direta: Lula não a obteve graças às intervenções do juiz Sérgio Moro e do ministro Gilmar Mendes. E nenhum dos dois o tratou como um brasileiro ou político comum. Mais do que isto, os dois não seguiram a lei quando impediram a posse de Lula como ministro. Moro deu publicidade a gravações ilegais do diálogo entre Dilma e Lula e isto lhe valeu reprimenda do ministro Teori. Tempos depois, se justificou: "o povo tinha o direito de saber." Mendes, após reconhecer a ilegalidade da gravação e do vazamento, sustou a nomeação do ex-presidente, recorrendo a seus conhecidos malabarismos jurídicos, inclusive a revisão de seus votos anteriores.

Só para comparar: Temer pode nomear Moreira Franco ministro sem cometer 'desvio de finalidade' e manteve o amigo no cargo burlando o limite constitucional de reedição de medidas provisórias.

O sistema de Justiça ainda não forneceu provas contundentes de que é, de fato, um ator politicamente neutro, que a responsabilidade pela "corrupção sistêmica" não recairá nas costas de Lula e de sua candidatura. De concreto, a decisão do TRF-4 só contribui para lançar suspeições, fundadas ou não, sobre o processo eleitoral. É duvidoso que a sentença contribua para aumentar a confiança na Justiça. Todos sabem com quem, sobre o quê e a que horas o atual presidente da República conversa sobre o que quer ver mantido.

"Quanto às próximas eleições", pede o procurador em seu artigo, "que Deus nos dê sabedoria." O apelo é tardio, o primeiro ato da eleição coube ao Judiciário e sem provas de que tenha contado com a iluminação divina.
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Fernando Limongi é professor do DCP/USP e pesquisador do Cebrap.

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