- Valor Econômico
Desde 2016, existem critérios para conceder o benefício
O órgão federal de qualquer Poder que está pagando auxílio-moradia a seus servidores deve ler atentamente o disposto no parágrafo 10º do Artigo 17 da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), válida para este ano. O dispositivo diz que, até que lei específica disponha sobre valores e critérios de concessão de auxílio-moradia, ele não poderá ser pago para o agente público que é proprietário de imóvel no município onde exerce o cargo.
Outra exigência é que o agente público deve encontrar-se no exercício de suas atribuições em localidade diversa de sua lotação original. O cônjuge ou o companheiro, ou qualquer outra pessoa que resida com o agente público, não pode ocupar imóvel funcional e nem receber ajuda de custo para moradia ou auxílio-moradia, de acordo com o dispositivo.
A LDO diz ainda que o auxílio-moradia será destinado "exclusivamente ao ressarcimento de despesas comprovadamente realizadas com o aluguel de moradia ou hospedagem administrada por empresa hoteleira". Ou seja, é preciso que o beneficiário do auxílio comprove o pagamento do aluguel ou hospedagem.
O auxílio também não pode ser pago por tempo indeterminado. O dispositivo da LDO ressalta a natureza temporária do benefício, "caracterizada pelo exercício de mandato ou pelo desempenho de ação específica".
O dispositivo da LDO está em vigor desde 2016, mas até agora não há notícia de que o Tribunal de Contas da União (TCU) tenha tomado qualquer iniciativa no sentido de verificar se ele está sendo cumprido. Ao contrário, as informações divulgadas pelos jornais são de que os órgãos públicos federais estão pagando auxílio-moradia aos seus servidores sem cumprir o disposto na LDO. Até mesmo o TCU.
A Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar 101) estabelece, em seu Artigo 15, que a geração de despesas que não obedecerem aos dispositivos da LDO e da lei orçamentária deve ser considerada não autorizada, irregular e lesiva ao patrimônio público. O não cumprimento da LDO pode ser enquadrado como crime fiscal, de acordo com fontes consultadas pelo Valor. O Artigo 359-D do Código Penal (Lei 10.028/2000) considera crime "ordenar despesa não autorizada por lei". A pena é de reclusão de um a quatro anos.
Há quem entenda que existe também a possibilidade de caracterizar o desrespeito à LDO como crime de responsabilidade, previsto na Lei 1.079/1950. Este dispositivo legal diz, em seu inciso I do Artigo 11, que "ordenar despesas não autorizadas por lei ou sem observância das prescrições legais relativas às mesmas" é crime contra a guarda e legal emprego dos dinheiros públicos.
O dispositivo da LDO chama a atenção para um fato: o Congresso Nacional ainda não aprovou uma lei específica definindo quem tem direito ao auxílio-moradia, em que condições e em que valores. A própria lei da magistratura (Lei Complementar 35/1979), prevê, em seu Artigo 65, ajuda de custo para moradia, nas localidades em que não houver residência oficial à disposição do juiz, "nos termos da lei". A lei até hoje não foi aprovada, mas o auxílio está sendo concedido de forma generalizada.
Como é concedido atualmente, o auxílio-moradia transformou-se em uma complementação salarial para algumas categorias de servidores. Muitos recebem o auxílio mesmo tendo residência própria no local em que trabalham. Outros acumulam o benefício com outro recebido pelo cônjuge. Outros alegam que o auxílio é uma compensação pelo fato de não terem recebido a recomposição de seus salários pela inflação.
Quando a LDO de 2016 foi aprovada (Lei 13.242), a Advocacia-Geral da União (AGU) chegou a solicitar que o Ministério Público da União (MPU) tomasse as medidas necessárias para determinar a não pagamento do auxílio-moradia aos seus agentes públicos, nas hipóteses que não se enquadrassem no dispositivo da LDO.
Em resposta à AGU, o MPU entendeu que as condições definidas na Lei de Diretrizes Orçamentárias para a concessão do auxílio-moradia "não podem atingir os membros da magistratura e do Ministério Público, sob pena de responsabilização do administrador pelo descumprimento de leis complementares específicas para as aludidas carreiras e de decisão judicial oriunda do Supremo Tribunal Federal".
Assim, o MPU decidiu seguir a orientação do próprio STF que reconhece aos membros do Poder Judiciário, por meio de decisões liminares, o direito de percepção do auxílio-moradia como parcela de caráter indenizatório, vedando o pagamento apenas aos inativos e quando há residência oficial à disposição do magistrado na localidade em que atua.
As liminares concedidas às ações que tramitam no STF sobre o auxílio serão analisadas pelo plenário do órgão, provavelmente em março deste ano. A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, abriu mão do benefício, antes de tomar posse do cargo, em setembro do ano passado.
A discussão sobre o auxílio-moradia não pode ser retirada do contexto histórico em que ele surgiu, advertem as fontes consultadas pelo Valor. Em 1967, o governo passou a conceder imóveis funcionais para aqueles que exerciam, em caráter transitório, cargos em comissão, mas que não fixassem residência permanente em Brasília.
Em 1975, o governo decidiu que o ocupante de cargo do grupo-direção e assessoramento superiores (DAS) níveis 4, 5 e 6, deslocado para Brasília, que fizesse jus a moradia funcional, poderia, mediante ressarcimento, ter custeada sua estada às expensas do órgão ou entidade em que tiver exercício, na hipótese de o Ministério do Planejamento não dispor de imóvel funcional para alojá-lo.
A concessão do auxílio estava associada, portanto, à inexistência de imóveis para aqueles que fossem designados e deslocados para o desempenho de determinados cargos em outra localidade. Assim, não cabia o pagamento indiscriminado e indistinto do auxílio-moradia a qualquer agente público, como está sendo feito atualmente.
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