sexta-feira, 13 de abril de 2018

César Felício: Mora na filosofia

- Valor Econômico

Supremo cada vez mais condicionado pela opinião pública

Decisões corretas são muito fáceis de tomar, por isso tão abundantes, no Judiciário. Ministros da Suprema Corte ou juízes de primeira instância podem tomar decisões corretas sobre o mesmo objeto, em sentido absolutamente contrário. O comentário é de um ministro aposentado do STF, residente em São Paulo, que evoca a Bíblia para citar a relatividade da Justiça terrena, como poderia citar o sambista Candeia. No samba "Filosofia do Samba", Candeia ensinou que para cantar samba, não é preciso ter razão, pois a razão está sempre dos dois lados. Mora na filosofia.

Tudo é possível dentro de uma moldura, que encerra um quadro onde a movimentação é livre. Decisões contraditórias não deixam de estar corretas, em suma, e daí pode-se compreender um pouco a absoluta insegurança jurídica em relação ao cumprimento provisório de sentença após decisão que transita no mérito em segunda instância.

Em 2009 o Supremo estabeleceu algo como um sistema de quádrupla jurisdição para os réus. Muita gente deixou de ir para a cadeia, uma vez que procrastinar para produzir a prescrição é um macete de ouro da advocacia, mas não houve celeuma. Partiu-se do princípio de que o direito precisa ser um instrumento de defesa do cidadão contra o arbítrio do Estado ou do mais forte, e esta premissa não está errada.

A revisão da jurisprudência em 2016 gerou pânico no meio político e empresarial e as tentativas de se voltar atrás na norma estão tendo evidente falta de resultado. Mudaram as circunstâncias, mais que a composição da Corte.

A opinião pública entrou em cena e é óbvio que o Supremo não é imune a ela. Tudo indica que a solução poderá vir a partir de setembro, quando assume a presidência da corte José Antonio Dias Toffoli. Mas não em setembro, na véspera da eleição presidencial.

Aos que veem Dias Toffoli, como um seguidor do ministro Gilmar Mendes, o magistrado aposentado observa que subestimar Dias Toffoli é um erro.

O próximo presidente do STF tem luz própria, difícil imaginá-lo trocando acusações pessoais com procuradores e colegas, ainda que episódios de destempero seu já tenham vindo à tona. Ele seria muito mais permeável ao sentimento geral da sociedade do que Gilmar e perceberia com mais nitidez o efeito da opinião pública sobre os colegas.

Não faltaria a Dias Toffoli o espírito imaginativo para se operar o direito no limite, característica que divide com vários colegas, mas sobraria ainda a ele a capacidade de transitar entre vários grupos. Se fosse possível associá-lo a algum modelo seria com o de Nelson Jobim. O ministro já deixou claro em diversos votos seus que não é exatamente um entusiasta da Lava-Jato, como não foi da ação penal derivada do mensalão. É alguém que compõe, entretanto. "Mais inteligente do que culto", observou o ministro aposentado.

Chegar a uma fórmula pacificadora não será tarefa fácil. O sucesso é duvidoso. A TV Justiça transformou o STF em uma grande arena e modulou o poder da corte que se nomeia suprema. É muito mais difícil a construção de consensos. Quando Rosa Weber entra no trending topic mundial, como aconteceu no dia do julgamento do habeas corpus de Lula; ou quando o feito é de Gilmar Mendes, como foi no caso da sessão do TSE que manteve o mandato de Michel Temer, há longínquos dez meses, estamos diante de um quadro de uma magistratura que está sendo julgada.

Isto não significa por tabela um "supremo totalmente acovardado", como Lula desabafou na conversa gravada entre ele e Dilma Rousseff, divulgada em março de 2016. Nem sempre a opinião pública prevalece, mas a direção é inequívoca. Os integrantes do Supremo estão atentos para a direção do vento, e não por acaso Joaquim Barbosa, que estava na Corte até 2014, pode se tornar o primeiro ex-integrante da cúpula do Judiciário a pleitear a Presidência desde Epitácio Pessoa, em 1919.

Esta já era a percepção de Lula naquele diálogo, que explica um pouco de sua estratégia nos anos de 2017 e 2018, e diz bastante sobre o fracasso desta estratégia. "Eu estou dizendo aqui pro PT que não tem mais trégua, que não tem que ficar acreditando na luta jurídica, ou seja, nós temos que aproveitar a nossa militância e ir pra rua. Eu vou antecipar minha campanha pra 2018, vou acertar de viajar esse país a partir da semana que vem e quero ver o que vai acontecer. Lamentavelmente vai ser isso. Eu não vou ficar em casa parado", disse o ex-presidente para a então presidente.

Foi exatamente o que ele fez, com os resultados conhecidos. Não houve luta jurídica, a não ser tarde demais. Antecipou-se a campanha. Houve política, até na hora de se entregar. Lula dobrou a aposta em um jogo que não tinha como ganhar, porque quando o ambiente de polarização política entra no Supremo - e não há como não entrar com a TV Justiça presente - desaparece o ambiente para garantias de direitos individuais. Prevalece a aldeia global.

Na opinião deste ministro aposentado, a única chance que Lula tem, ainda assim remota, de conseguir sucesso em seu calvário legal, seria de baixar a temperatura política em torno de si. Deveria ter negociado sua entrega no clima mais discreto possível. Do contrário, construir a narrativa do martírio implica no imperativo de se tornar mesmo um mártir.

Pesquisa
O levantamento é restrito apenas ao Estado de Goiás, mas é indicativo do clima pré-eleitoral no país. Uma das perguntas do Instituto Serpes, publicada no jornal "O Popular" foi sobre intenção de voto presidencial. A pesquisa foi a campo entre 30 de março e 5 de abril, com 801 entrevistas e margem de erro de 3,5 pontos mostrou Lula com 29,6% e Jair Bolsonaro com 20,6%. No Estado de base agropastoril a polarização entre o condenado e o capitão concentra metade do eleitorado e não está registrado todo o impacto da prisão do petista, que viria a se concretizar apenas no dia 7.

Marina Silva tinha 6,9% entre os goianos e Geraldo Alckmin 5%, em um Estado onde o PSDB é hegemônico. Em seu domicílio eleitoral, Henrique Meirelles ficou com 3,9%.

Se a questão partidária e o bairrismo não foram relevantes aonde haveria razões para serem, é de se imaginar como está o quadro onde estas variáveis não existem. A pesquisa recebeu o registro BR 07829/2018 no TSE.

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