Blindagem de delatores e empresas envolvidas com corrupção aumenta incertezas ao travar atuação de órgãos de controle
Empresas que corromperam políticos e servidores para fazer negócios nos últimos anos pagaram um preço alto pelos erros de acionistas e executivos, e nada indica que suas agruras estejam perto do fim.
Além de reconhecer crimes e delatar antigos parceiros, empreiteiras como Andrade Gutierrez, Camargo Corrêa e Odebrecht aceitaram pagar mais de R$ 5 bilhões para reparar os danos causados ao país. Seus ex-dirigentes passaram meses na cadeia, e alguns continuam proibidos de pisar fora de casa.
Apanhados em meio à recessão econômica, também tiveram que demitir milhares de funcionários e vender parte dos seus negócios para quitar dívidas, mas nem assim conseguiram se livrar da desconfiança de bancos e investidores.
Soa condescendente, porém, o tratamento proposto agora pelos procuradores na linha de frente das investigações da Operação Lava Jato e pelo juiz Sergio Moro.
A pedido do Ministério Público Federal, Moro proibiu o Tribunal de Contas da União e outros cinco órgãos de usar provas fornecidas pela Lava Jato para impor sanções a delatores e empresas que colaboram com as investigações.
Mantido em segredo desde abril, o despacho com a decisão só foi tornado público na semana passada, após ser revelado por esta Folha.
Ao justificar a blindagem, Moro e os procuradores dizem ser necessário evitar punições excessivas e impedir os órgãos de controle de desestimular o surgimento de novos colaboradores, prejudicando a estratégia adotada pela Lava Jato para combater a corrupção.
Acordos fechados pelos procuradores com as empreiteiras e seus executivos deram impulso decisivo para as investigações, abrindo caminho para que corruptos cooperassem em troca de benefícios como a redução de suas penas.
A decisão de Moro dá ao Ministério Público uma espécie de monopólio nas negociações com os colaboradores --e, ao fazê-lo, fere prerrogativas de órgãos como o TCU e a Controladoria-Geral da União.
Embora só o Ministério Público possa oferecer benefícios na esfera criminal, cabe a órgãos como a CGU discutir sanções na área cível, como a proibição de participar de licitações e receber crédito oficial.
A lei concede ao TCU a palavra final sobre o cálculo de eventuais danos e sua reparação. As empresas não querem pagar mais do que o combinado com a Lava Jato, e a decisão de Moro abre para elas uma brecha para tentar evitar isso.
O descompasso entre as instituições envolvidas com o combate à corrupção gera insegurança para as empresas dispostas a colaborar com a Justiça. Um esforço dos vários atores para superar desconfianças, reconhecer a legitimidade dos outros e cooperar poderia resolver o problema. O despacho de Moro aponta em direção contrária.
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