segunda-feira, 18 de junho de 2018

Celso Rocha de Barros: É mais crise do que roubo

- Folha de S. Paulo

Parece óbvio que o dinheiro acabou porque roubaram, mas não é

Cerca de dois meses atrás, em uma das passeatas quase diárias que ocupavam o centro do Rio de Janeiro protestando contra atraso de salários pelo governo estadual, ouvi o seguinte grito de guerra: “Não é crise! É roubo!”. Os manifestantes acreditavam que o dinheiro que estava faltando para pagar salários havia sido roubado por Sérgio Cabral.

Essa parece ser a ideia mais enraizada na opinião pública brasileira nos últimos anos: o dinheiro acabou porque roubaram.

Isso é falso.

A coisa mais importante que você precisa ter em mente nos próximos anos é o seguinte: teve roubo, teve muito roubo, teve roubo em uma escala aterrorizante. Todo mundo que roubou tem que ser punido, nos termos da lei. Mas não foi isso que causou a crise econômica brasileira, e para resolver a crise brasileira faremos sacrifícios.

Não é verdade, por exemplo, que haveria dinheiro para pagar todas as aposentadorias se os políticos não tivessem roubado a grana. Não haveria. A expectativa de vida dos brasileiros subiu, e a regra atual foi pensada quando as pessoas só viviam poucos anos depois de se aposentarem. Se ninguém tivesse roubado nada, seria necessário reformar a Previdência do mesmo jeito.

Também não é verdade que a gasolina subiu porque os políticos roubaram a Petrobras. Os políticos roubaram mesmo a Petrobras, roubaram muito. Se você pensar nesse dinheiro roubado como algo que um sujeito pegou e levou para casa, é uma quantia altíssima. Mas dentro do orçamento de uma empresa do tamanho da Petrobras, não é tanto assim.

A crise na Petrobras foi causada, em sua maior parte, por flutuações do preço internacional do petróleo e por erros administrativos gravíssimos, como segurar os preços artificialmente no primeiro mandato Dilma.

E aí se vê que o discurso “não é crise, é roubo” pode atrapalhar muito o Brasil. O mesmo controle de preço voltou como resultado da greve dos caminhoneiros. Grande parte da população apoiou a greve dos caminhoneiros, porque viu no movimento uma revolta contra os políticos corruptos. Tentar resolver todo e qualquer problema econômico combatendo a corrupção só vai atrasar a saída da crise.

É inteiramente compreensível que a opinião pública ache que a corrupção causou a crise. Afinal, tivemos a segunda maior recessão de nossa história nos últimos anos, e, exatamente no mesmo período, a Lava Jato trouxe a público o imenso escândalo do financiamento da política brasileira pelos cartéis de empreiteiras.

O brasileiro vê que o dinheiro acabou, vê que os políticos roubaram muito dinheiro, e acha que não há mistério nenhum aí: acabou porque roubaram.

Parece óbvio, mas não é, não. A Previdência já vem acumulando problemas há décadas. O gasto público já vem crescendo mais do que o país faz muitos anos. Nossos problemas de produtividade já existem faz tempo, só ficaram meio disfarçados quando o cenário externo foi favorável ao Brasil na década passada. Precisaremos reformar um monte de coisas para colocar isso tudo em ordem.

Cuidado, portanto, com o malandro que aparecer na eleição negando a discutir esses problemas e prometendo achar o dinheiro que nos tem faltado enterrado no sítio do Lula. Se a corrupção acabasse hoje de manhã, hoje de tarde a crise econômica ainda seria igual.
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Celso Rocha de Barros, doutor em sociologia pela Universidade de Oxford.

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