segunda-feira, 18 de junho de 2018

Fernando Limongi: Resiliência encarcerada

- Valor Econômico

PT se isola e corre risco de alienar capital eleitoral

A Copa começou e ninguém está nem aí. Pelo menos é o que dizem as pesquisas. O Brasil está estranho, para lá de estranho. O pessoal que foi às ruas com a camisa da seleção para protestar não se anima a torcer. Mas o bicho vai pegar se o time acertar e aí o velho fanatismo desperta. Nas eleições, dá-se o inverso, agora é a hora de demonstrar a paixão e marcar posição. Mas, conforme o desfecho se aproximar, o realismo e o cálculo falarão mais alto.

Por enquanto, a opção por alternativas radicais prevalece. Bolsonaro e Lula mantêm a liderança nas pesquisas, mas nem um e muito menos o outro têm chances reais de chegar à final. Para Lula, dado que não poderá ser candidato, o realismo é inevitável. Quem herdará seus votos? O PT quer crer que a questão inexiste e se afinca à crença do poder demiúrgico de seu líder; que sua indicação produzirá o milagre da transferência dos votos. A estratégia de Bolsonaro não é menos irracional: o confinamento autoimposto dos tiros com silenciador.

Os dados da mais recente pesquisa do Datafolha indicam a resiliência da clivagem política sobre a qual gira a política brasileira de 2006 em diante. Bipartidárias desde 1994, as eleições presidenciais ganharam contornos sócioeconômicos claros na reeleição de Lula. Basicamente, o PT tem mais votos ente os mais pobres, enquanto o PSDB entre os mais ricos.

A natureza da relação dos dois partidos com seus eleitores, entretanto, não é a mesma. Quando perguntados se têm um partido, boa parte dos eleitores que votaram em Lula e Dilma se dizia petista. Já os que votaram em Serra, Alckmin e Aécio diziam não ter preferência partidária. Pesquisas acadêmicas recentes e as análises do Datafolha mostram que a despeito de não se declararem tucanos, boa desses eleitores se dizia antipetista.

Assim, política brasileira e, em especial a disputa presidencial, passou a girar em torno dessa clivagem política, uma competição entre os simpatizantes e antagonistas do PT, entre a esquerda e a direita, 'mortadelas' e 'coxinhas', ou como quer que se queira denominá-los.

Os dois grupos têm mais ou menos a mesma força, algo como um terço do eleitorado. Isso significa que os eleitores do centro, que não se colocam em um desses campos, são decisivos. Portanto, para vencer as eleições, é preciso conquistar as preferências do seus simpatizantes naturais e, em um segundo momento, se mostrar palatável para o centro.

Pois bem, olhados contra esse pano de fundo, os dados do Datafolha indicam que a clivagem 'coxinhas'-'mortadelas' continua dando as cartas. Bolsonaro atrai os eleitores mais ricos, Lula os mais pobres. O homem da caserna é o candidato com maior apoio entre os 'coxinhas' e Lula entre os 'mortadelas'. A grande mudança é o fato de o PSDB ter perdido o controle sobre o voto do bloco que representou nas eleições anteriores.

Nas simulações do Datafolha, Bolsonaro chega a ter 30% dos votos entre os entrevistados com renda superior a dez salários mínimos, o mais alto estrato da amostragem, mas que representa apenas 3% do eleitorado. No outro lado do espectro social, entre os mais pobres e menos escolarizados, o seu desempenho é sofrível. Além disso, entre as mulheres, independente da renda e da educação, Bolsonaro não tem votos. No máximo, tem 10% da preferência entre as mulheres.

Difícil saber se esse eleitor extremado aguardava um candidato ou se a radicalização recente deu vida a uma nova direita. Seja como for, o fato é que o PSDB deixou de ser o desaguadouro natural das forças que se opõem ao PT. Em parte, o partido é vítima de sua própria estratégia, uma vez que sob a liderança de Aécio Neves e outros menos votados, cerrou fileiras com a oposição radical a Dilma.

Nessa empreitada, que culminou com o impeachment de Dilma e o apoio que garantiu sobrevida a Michel Temer, o PSDB perdeu apoio entre os 'coxinhas' moderados e não conquistou o dos radicais. Por isso, o candidato do partido não decola. O problema, portanto, não é de nomes, mas do partido. Hoje, Bolsonaro é o preferido da direita, mas as limitações do candidato são evidentes e isso explica porque, a despeito da liderança nas pesquisas, não atrai apoios para ampliar seu eleitorado.

Lula ainda é o candidato mais forte entre os 'mortadelas', com 38% dos votos entre aqueles cuja renda não ultrapassam dois salários mínimos, estrato onde se concentram 46% do eleitorado. O PT tem razões para comemorar, pois o partido parece ter conseguido recuperar apoio entre seu eleitorado tradicional que em 2016 o abandonara.

Entretanto, com a condenação e prisão do ex-presidente, o partido perdeu seu candidato natural e precisa decidir como proceder. Por enquanto, quer crer que Lula controla esse eleitorado, que, em outubro, seus eleitores seguirão sua indicação.

Os riscos dessa estratégia irrealista são evidentes. Lula não tem (e, é bom esclarecer, nunca teve) controle sobre esse eleitorado. Ao insistir em manter a candidatura de seu líder, o partido se isola e corre o risco de alienar o capital eleitoral reconquistado. O PSB já deu mostras que não pretende embarcar na canoa furada armada pelos estrategistas petistas.

A eleição ainda não começou. Gira em falso, em torno de candidaturas encarceradas. O jogo começa para valer com a realização das convenções partidárias que, por força da lei, devem acontecer até o início de agosto, quando as peças se ajustarão ao tabuleiro e o jogo começa. Lula e Bolsonaro caem na fase grupos, não chegam ao mata-mata.
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Fernando Limongi é professor do DCP/USP e pesquisador do Cebrap

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