Em 2014, sua participação associou a candidata a interesses do mercado
Joelmir Tavares | Folha de S. Paulo
SÃO PAULO - Ela foi uma espécie de “sombra” de Marina Silva (Rede) na campanha de 2014, mas agora está totalmente fora da nova tentativa da ex-senadora de virar presidente.
Socióloga, educadora e acionista do Itaú, Neca Setubal virou na eleição passada ao mesmo tempo amuleto e calcanhar de aquiles da candidata.
Ela coordenou o programa de governo, ajudou na aproximação com potenciais financiadores e andou para cima e para baixo com a presidenciável, atuando como assessora em debates e outros compromissos de campanha.
Mas sua presença também deu a adversários, sobretudo a aliados da então presidente Dilma Rousseff (PT), munição para atacar Marina e associá-la negativamente a interesses do mercado. A Setubal foi escolhida símbolo maior de influência dos bancos na chapa.
“Minha postura será apartidária”, afirma Neca à Folha sobre a campanha de 2018. Ela não diz se vai declarar voto na ex-senadora, mas frisa que continua falando com a pré-candidata. “Sou amiga dela.”
Doutora em psicologia da educação, a socióloga (que se chama Maria Alice) é presidente dos conselhos de duas entidades da área social, a Fundação Tide Setubal e o Gife (Grupo de Institutos, Fundações e Empresas).
Filha do empresário e político Olavo Setubal (1923-2008), ela se incomoda quando é chamada de banqueira. Explica que fez carreira longe das empresas da família e que nunca ocupou cargo nelas.
A função de coordenação exercida por Neca foi assumida desta vez pelo ambientalista João Paulo Capobianco, que acompanha Marina desde a gestão dela no Ministério do Meio Ambiente, de 2003 a 2008, no governo Lula (PT).
A herdeira do Itaú não está nem dando ideias para o plano de governo, embora a pré-candidata esteja recebendo colaborações de especialistas e entidades de várias áreas.
Neca diz que indicou organizações aptas a colaborar. Uma delas foi a Todos pela Educação. Marina se reuniu há alguns dias com coordenadores do movimento para discutir sugestões de propostas.
A socióloga não entra em detalhes sobre a razão do afastamento. Em entrevista à Folha em 2015, ela já se mostrava indecisa sobre embarcar em uma terceira candidatura da amiga, a quem apoiou também na corrida de 2010.
Atribuiu sua indefinição ao “contexto instável brasileiro”, com profunda crise econômica e política. Lembrou também ter saído magoada da campanha presidencial, “uma experiência agressiva, difícil”.
Interlocutores de Neca na Rede dizem que as críticas sofridas por ela pesaram na decisão. Sua participação motivou uma onda de críticas que o entorno da ex-senadora atribuía especialmente ao PT.
Outro concorrente direto era Aécio Neves (PSDB), que acabou sendo apoiado pelo grupo no segundo turno.
No momento em que Marina crescia nas pesquisas, a sigla de Dilma decidiu explorar a ligação de Neca com a presidenciável e levou insinuações ao programa eleitoral petista.
Num dos anúncios na TV, para questionar uma proposta da oponente, o PT sugeriu que o motivo estava relacionado à informação de que Neca bancara 83% dos custos do instituto de Marina no ano anterior, doando R$ 1 milhão.
“Marina ainda não respondeu por que quer dar independência ao Banco Central”, narrava o locutor da propaganda, para em seguida completar: “Talvez Neca Setubal possa responder a essa pergunta”.
A relação da ex-senadora com a integrante de uma das famílias mais ricas do país serviu de base também para um ataque ainda mais pesado.
Para ilustrar o argumento de que num governo Marina os bancos assumiriam um papel que é do presidente, o PT colocou no ar um vídeo em que a comida desaparecia dos pratos durante a refeição de uma família.
O locutor dizia que a autonomia do Banco Central “significaria entregar aos banqueiros um grande poder de decisão sobre sua vida e de sua família”. E indagava: “Você quer dar a eles esse poder?”.
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