- Folha de S. Paulo
Esquerda tem abandonado seus discursos de caráter mais universalista
Desnecessária e inoportuna a decisão da Knesset de aprovar um projeto de lei que define Israel como “Estado-nação do povo judeu” e ainda tira do árabe o estatuto de língua oficial do país. Como bem observou o grande Clóvis Rossi, a medida não apenas é inútil, já que ninguém nunca achou que Israel não fosse um Estado judaico, como ainda abre o flanco para fundadas acusações de etnocentrismo.
Não chega, porém, a ser uma surpresa que o governo capitaneado por Binyamin Netanyahu, o mais conservador da história de Israel, tenha promovido um projeto com esse teor. A adoção de bandeiras nacionalistas e étnicas nunca foi estranha à direita.
O que é relativamente novo —e, a meu ver, representa um retrocesso— é que a esquerda também tenha abandonado seus discursos de caráter mais universalista para abraçar com força as chamadas políticas identitárias. Deixou de enfatizar uma igualdade de direitos que derivam da própria condição de ser humano, sem estar associados a nenhuma característica de grupo, e passou a falar em direitos de negros, mulheres, homossexuais etc.
Nas versões mais radicais, quem não pertence ao grupo discriminado não pode nem falar sobre o assunto, proibição que se estende a cantar canções ou utilizar peças de vestuário que simbolizam o movimento —a chamada apropriação cultural.
Não se contesta que negros, mulheres e homossexuais sofram mais discriminação, o que justificaria priorizar suas demandas. A questão é que o tipo de discurso que se adota faz diferença. Enquanto a esquerda tradicional inscrevia o fim da discriminação no contexto de um movimento de emancipação que beneficiaria a todos, a política identitária ressalta as diferenças entre as pessoas sem apontar nada de universal.
Há autores que afirmam que essa mudança de atitude da esquerda contribuiu mais para a polarização nas sociedades do que a internet e as redes sociais. Seria interessante tentar medir isso.
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