De 2014 a 2018, partido teve 10 milhões de votos a menos em faixas de renda mais baixa, algo sugestivo
O primeiro turno da eleição marcou o surgimento de uma forte corrente conservadora que digitou nas urnas 47,7 milhões de votos em Jair Bolsonaro (PSL), contra 29 milhões no candidato do PT, Fernando Haddad. Ficou nítida uma onda antipetista na derrota de Haddad nesta primeira fase das eleições presidenciais.
Natural que, enquanto o candidato vitorioso avalie discurso, propostas e campanha para confirmar o êxito no segundo turno, o PT — partido que ganhou as eleições presidenciais de 2002 a 2014, tendo saído do Planalto devido ao impeachment aprovado pelo Congresso, em 2016, contra a presidente Dilma Rousseff — faça um cuidadoso inventário dos erros.
A necessidade de os petistas entenderem o que houve se justifica por diversos fatos. Um deles, importante, revelado pelo GLOBO de domingo, é que, segundo uma atualização da tese de doutorado em ciência política da pesquisadora Priscila Lapa, da Universidade de Pernambuco (UFPE), o PT, de 2014 a 2018, perdeu 10 milhões de votos junto à classe C. Aquela, segundo a classificação da Fundação Getúlio Vargas, que tem rendimentos familiares entre R$ 2 mil e R$ 8,6 mil.
No primeiro turno de 2014, no conjunto de 3.294 cidades cuja renda se distribui entre estas faixas, a petista Dilma Rousseff conseguiu 27,3 milhões de votos, pouco mais que Aécio Neves (PSDB), enquanto, agora, Haddad, nestes mesmos municípios, teve o respaldo de apenas 17,4 milhões de eleitores, contra 38,6 milhões que sufragaram Bolsonaro.
Pelas velhas cartilhas da esquerda, este segmento da população deveria ser cativo do PT, autointitulado defensor dos mais pobres, lutador incansável por melhorias de renda e de qualidade de vida para este e outros extratos sociais. Pelo menos tem sido esta a linha de propaganda do partido e seus candidatos.
Mas, como demonstra pelo menos o primeiro turno das eleições deste ano, esta parte do eleitorado pensa diferente. Foi de forma clara seduzida por propostas ditas conservadoras de Bolsonaro, em que se destaca o rigor no combate à criminalidade. Emergiram, então, das urnas, faixas mais baixas da classe média com pensamento de “direita”.
O PT não deveria se surpreender, pois pesquisa qualitativa do Instituto Perseu Abramo, ao qual o partido é ligado, feita entre novembro de 2016 —pouco depois de a legenda ser castigada nas eleições municipais — e janeiro de 2017, na periferia de São Paulo, mostrou um distanciamento entre pessoas de renda mais baixa e a sigla.
Os 63 entrevistados, ex-eleitores do PT, com renda familiar de até cinco salários mínimos, alguns até beneficiários de programas sociais, investiram contra dogmas petistas: em vez de luta de classes, o que há é o enfrentamento do cidadão contra um Estado escorchante; querem ascender socialmente pelo esforço próprio, e assim por diante. O partido tentou minimizar a pesquisa. Com a derrota no primeiro turno, deveria pedir uma consultoria ao instituto.
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