- O Estado de S.Paulo
Recuos e indefinições nos planos de governo marcam segundo turno
Bolsonaro e Haddad entram na segunda semana de campanha para o segundo turno em situações bem diferentes. O primeiro com seu favoritismo confirmado pelas pesquisas eleitorais e o segundo tendo de se conformar com “apoios críticos” em lugar da sonhada formação de uma frente mais ampla. Se há, porém, uma semelhança entre os dois candidatos, essa é a manutenção das incertezas em relação aos programas de governo. Especialmente no caso da economia.
Até os mercados, que já haviam consagrado Bolsonaro e seu liberalismo, manifestaram dúvidas nos pregões da semana passada, depois dos escorregões do candidato sobre reformas e privatizações. Em resumo, a temporada de instabilidade tende a se alongar. Pode não ser uma temporada de furacões, mas tão cedo não haverá tempo claro e firme.
É evidente que correções de rumo, além de naturais num processo eleitoral conturbado como o atual, são bem-vindas. É o caso do recuo dos dois candidatos em relação à convocação de uma Constituinte – eles falam agora em emendas à Constituição em pontos específicos. Mas quando essas correções se multiplicam, dão motivo a preocupações. Afinal, seriam apenas “ajustes” nos planos ou estaria a caminho um novo estelionato eleitoral?
Depois de inúmeras entrevistas e, no caso de Bolsonaro, de “pronunciamentos” via redes sociais, o programa econômico dos dois candidatos continua tão ou mais obscuro do que antes. E não é só isso. Haddad ainda não definiu nenhum integrante de sua equipe, enquanto se divide entre acenos ao centro e agrados à esquerda. E o próprio Bolsonaro, que se antecipou e usou a escolha do liberal de raiz Paulo Guedes para adoçar os agentes dos mercados, continua dando sinais de que seu futuro ministro da Economia não terá a anunciada autonomia.
Bolsonaro alardeou aos quatro cantos que faria quase uma “black friday” de estatais, mas ao primeiro teste, ou seja, a privatização da Eletrobrás, declarou-se contra a venda da área de geração de energia elétrica. Em relação à Previdência, a confusão é ainda maior. A proposta encaminhada por Guedes antes das eleições é parecida com a de Temer, que já foi atacada duramente por Onyx Lorenzoni, indicado por Bolsonaro para chefiar a Casa Civil.
O presidente do PSL, Gustavo Bebianno, continua mantendo no ar a hipótese de tramitação da reforma da Previdência de Temer, durante a transição. E o candidato fala agora em caça aos marajás do serviço público, deixando de lado a parte do INSS. Mais: depois calar o vice sobre críticas à “jabuticaba” do 13.º salário, Bolsonaro passou a defender 13.° também para o Bolsa Família, e redução das taxas para os financiamentos do Minha Casa Minha Vida.
O roteiro de Haddad para a economia, por sua vez, embora não mostre recuos tão expressivos quanto o de Bolsonaro, ainda parece meio solto, atropelado pela corrida para tirar os 16 pontos de vantagem do capitão. E isso transparece, por exemplo, nas manifestações do candidato sobre Previdência. As propostas referem-se a um foco inicial nos regimes especiais de aposentadoria, como os de Estados e municípios, e mais para a frente, à fixação de idades mínimas diferenciadas. Ao mesmo tempo, o programa mantém ênfase na tributação dos mais ricos, com isenção de Imposto de Renda para faixas de até 5 mínimos – bandeira, por sinal, já empunhada por Bolsonaro – e na reforma bancária, com menor taxação para instituições que cobrarem spreads mais reduzidos.
O fato é que, na boca do segundo turno, ainda há perguntas importantes sem resposta sobre qual seria a economia do novo governo: no caso do Haddad, seria a do primeiro mandato de Lula ou mais próxima à de Dilma, e no caso de Bolsonaro, a do seu guru liberal ou a de seus generais mais nacionalistas? Nos mercados, é verdade, essa instabilidade vai funcionar do jeito de sempre. Ou seja, na base do sobe e desce, com investidores tentando calibrar suas apostas para ganhar o máximo possível. A um dia de alta com a divulgação de pesquisas favoráveis ao candidato favorito, segue-se outro de baixa, com a “descoberta” de que ele não é tão liberal como se imaginava. Para os setores produtivos, contudo, o jogo é outro. A persistência das incertezas por um longo período significa paralisia nos investimentos e, no final da linha, estagnação.
Nenhum comentário:
Postar um comentário