O mais longo rali dos mercados de ações nos Estados Unidos em algum momento chegará ao fim e os solavancos da semana passada, os mais fortes desde fevereiro, mostram que os investidores estão nervosos a respeito do momento certo de redirecionar seus ativos. Após as fortes quedas na quarta, as ações nos mercados dos EUA viveram uma montanha russa na quinta, com novas desvalorizações - foi a pior semana em seis meses para Wall Street. O fator imediato que as provocou, mais uma vez, foi a reavaliação sobre o ritmo de aperto da política monetária americana. Os diagnósticos mais extravagantes partiram, naturalmente, do presidente americano Donald Trump. Para ele, o Federal Reserve "ficou louco" e "está fora de controle".
Ao contrário, tem sido a serenidade do presidente do Fed, Jerome Powell, que tem garantido até hoje a calmaria nos mercados. Suas indicações sobre a política a ser seguida pelo Fed, claras quanto ao ritmo gradual dos aumentos de juros, porém, não contém agora a ansiedade dos investidores. O título do Tesouro de 10 anos bateu em 3,25% quando as bolsas desabaram e não recuou muito no dia seguinte, de alta volatilidade. Ao deixar a zona dos juros muito baixos, aonde ainda se encontra - a inflação ao consumidor, de 2,3% é quase idêntica ao dos fed funds, na faixa de 2% a 2,5% - o grande ciclo de valorização das bolsas tem de se reverter em algum momento.
Essa reversão do cilo de valorização não é indolor e pode ser muito turbulenta. O aperto gradual das condições financeiras, que para o Fed deixaram de ser acomodativas, não parece até agora ter a força para provocar grandes abalos. Mas já provocou fogueiras que precisaram ser apagadas na Argentina e na Turquia, assim como uma significativa saída de capitais do mundo emergente, em meio a uma onda forte de depreciação das moedas.
No centro dos riscos está a montanha de dívidas espalhadas pelo mundo, que cresceram devido a um custo anormalmente baixo do crédito, fruto dos "quantitative easings" nos países avançados. O endividamento é maior do que antes da crise de 2008, chega a 224% do PIB global e soma US$ 182 trilhões, dos quais dois terços são compromissos de empresas e famílias, e um terço é dívida pública, segundo o Relatório de Estabilidade Financeira Global, recém divulgado pelo FMI. Juros maiores nos EUA reverteram fluxos de capitais e mudou para pior a avaliação dos ativos emergentes.
Houve grande disparidade entre as bolsas americanas, que continuaram se valorizando, e as bolsas dos países emergentes, que desabaram ao longo do ano. O reflexo tardio dessa realidade pode ter chegado às ações americanas (Kit Juckes, estrategista do Société Générale, FT). As quedas podem ser mais um rearranjo em um mundo em que os riscos se tornaram maiores, não apenas porque alguns emergentes entraram em recessão e foram ao FMI, mas também porque as tensões comerciais cresceram com o protecionismo dos EUA e as taxas de juros ainda continuarão a subir, apesar dos ralhos de Trump.
O núcleo da inflação ao consumidor nos EUA nos doze meses terminados em setembro foi de 2,2%, o que em princípio acalmou os mercados, mas por poucos instantes. O índice está há 7 meses acima dos 2%, meta da inflação do Fed. Os estímulos fiscais de Trump levaram a economia a crescer 4,1% no segundo trimestre e provavelmente acima de 3% no ano, bem mais que os 1,8% estimados pelo Fed para o longo prazo. Há sinais de que tanto o mercado de trabalho quanto a capacidade utilizada da produção estão crescendo mais rapidamente que o previsto, segundo analistas.
Há um ambiente propício para mudanças abruptas, como alertaram os porta-vozes do G-20 em reunião do FMI na Indonésia: "Uma rápida mudança de percepção do mercado financeiro pode reverter a recuperação econômica global". Na mesma linha foi o FMI, ao advertir que "os mercados financeiros globais seguem entusiasmados e parecem complacentes ante o risco de um repentino e agudo aperto das condições financeiras".
Ainda se está longe da percepção de que o Fed está atrás da curva, deslanchando um aperto mais forte nos juros e instabilidade nos mercados. Até há pouco, os investidores especulavam sobre a próxima recessão nos EUA. Tudo pode não passar de reacomodação dos investidores a bolsas que já subiram demais ou um exagero passageiro nas estimativas de até aonde o Fed vai com os juros. Mas os surtos de intranquilidade nos mercados parecem ter se tornado mais frequentes, um presságio de correções nada rotineiras de rumo.
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