Entidades e comunidade acadêmica repudiam operações, que aconteceram em diversos estados
- Folha de S. Paulo
SÃO PAULO E RIO DE JANEIRO - Policiais e fiscais de tribunais eleitorais desencadearam uma série de ações em universidades públicas por todo o país que despertaram reação da comunidade acadêmica e de entidades da sociedade civil.
As medidas, na maior parte delas relacionadas à fiscalização de suposta propaganda eleitoral irregular, vêm acontecendo nos últimos três dias. Críticos das operações apontam censura.
No Rio de Janeiro, por exemplo, a Justiça ordenou que a Faculdade de Direito da UFF (Universidade Federal Fluminense) retirasse da fachada uma bandeira em que aparece a mensagem "Direito UFF Antifascista". A bandeira chegou a ser removida na terça-feira (23) sem que houvesse mandado judicial, mas logo depois foi recolocada por alunos.
A decisão judicial, proferida após 12 denúncias recebidas contra a faixa, diz que ela teria "conteúdo de propaganda eleitoral negativa contra o candidato à Presidência da República Jair Bolsonaro [PSL]". No lugar da antiga bandeira, apareceu uma nova com a palavra "censurado" no prédio. Os estudantes, que negam ter feito propaganda político-partidária, organizam uma manifestação para esta sexta (26).
Na Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), também houve ação de policiais militares para a retirada de faixas: uma em homenagem à vereadora Marielle Franco (PSOL), assassinada emmarço, e outra em que estava escrito "Direito Uerj Antifascismo". Segundo a universidade, não havia mandado judicial para a remoção, e as bandeiras continuam na entrada do campus Maracanã.
Também houve relatos de ações na Unirio.
Em nota, a seção do Rio da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) manifestou "repúdio" a "decisões da Justiça Eleitoral que tentam censurar a liberdade de expressão de estudantes e professores das faculdades de direito". A entidade afirma ainda que "a manifestação livre, não alinhada a candidatos e partidos, não pode ser confundida com propaganda eleitoral".
No Rio Grande do Sul, a Justiça Eleitoral barrou a realização de um evento denominado "Contra o Fascismo, Pela Democracia", sob a alegação de que seria ato eleitoral dentro de uma instituição federal.
Nesta quinta-feira (25), manifestantes realizaram um ato contra a decisão. Um dos que estariam presentes no evento, o ex-governador e ex-ministro da Justiça Tarso Genro (PT), disse ter sido censurado e afirmou que até durante a ditadura militar (1964-1985) proferiu conferências e palestras.
Na Paraíba, houve ações em três universidades. Na manhã desta quinta, policiais federais estiveram na sede da Associação dos Docentes da Universidade Federal de Campina Grande. Cumpriam mandado de busca e apreensão de panfleto denominado "Manifesto em defesa da democracia e da universidade pública", bem como outros supostos materiais a favor de Fernando Haddad (PT).
A associação nega qualquer ação em favor de algum dos candidatos à Presidência e diz que se tratava de um manifesto em defesa da democracia.
Na Estadual da Paraíba, segundo a reitoria, fiscais do TRE fiscalizaram se havia propaganda política até dentro das salas de aula. Houve também relatos de confusão na federal do estado.
Na Universidade Federal da Grande Dourados, em Mato Grosso do Sul, uma aula pública intitulada "Esmagar o Fascismo" foi suspensa por um mandado do TRE, de acordo com o diretório acadêmico da instituição. O evento aconteceria nesta quinta (25), na universidade.
Em nota, a Campanha Nacional pelo Direito à Educação disse repudiar "decisões da Justiça Eleitoral que tentam censurar a liberdade de expressão de membros de comunidades acadêmicas, ferindo seus direitos civis e políticos, bem como o princípio constitucional da autonomia universitária".
No Pará, PMs entraram armados na tarde de quarta (24) em um campus da UEPA (Universidade do Estado do Pará) para averiguar o teor ideológico de uma aula e ameaçaram de prisão um professor. A polícia foi chamada por uma das alunas, que é filha de um policial, após o docente ter feito uma menção à produção de fake news.
O professor Mário Brasil Xavier, coordenador do Curso de Ciências Sociais da UEPA, conta que realizava um curso e, em tom de brincadeira com outra aluna, sugeriu que a divulgação dos slides da aula não gerasse fake news. Uma das alunas se sentiu ofendida e chamou o pai policial.
"Fizeram uma abordagem ríspida, chegando a me ameaçar de detenção", disse o professor. "Citei que só iria com advogado e com a orientação do meu sindicato". O episódio aconteceu por volta das 16h30 desta quarta.
Segundo o professor, a aluna que chamou o pai policial teria percebido a situação e desistido de insistir com a denúncia. O pai da aluna teria dito que o professor teria condenado as pessoas que votam no candidato Jair Bolsonaro (PSL). O professor nega.
"Não houve nenhuma agressão física, mas um policial armado com pistola e fuzil é uma afronta num local de de trabalho onde não há armas, mas livros", diz Xavier, que já registrou boletim de ocorrência a acionou o setor jurídico da universidade. "Isso demonstra mais uma vez um certo abuso das autoridades".
Em nota, a UEPA informou que já apura o que teria ocorrido, a fim de adotar as providências legalmente cabíveis. "[A universidade] reafirma seus valores institucionais, sobretudo os de princípios humanitários, e repudia a vivência de qualquer outra cultura que cerceie direitos, gere constrangimentos e agressões", cita a nota. A Procuradoria Jurídica e Administração Superior da instituição vai analisar os fatos para outras providências.
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